Constituição: a revisão começou. Eis os artigos que podem mudar

Um acordo entre o PS e o PSD. Não há volta a dar. Nenhuma revisão da Constituição se pode fazer sem acordo entre os dois maiores partidos. O DN foi ver os artigos em relação aos quais os dois partidos apresentaram propostas de alteração.
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São apenas 14 (num total de 296) os artigos da Lei Fundamental em relação aos quais existem propostas tanto dos socialistas como dos sociais-democratas. Este é um exercício que permite antecipar com algum grau de certeza como poderá acabar a 12.ª revisão da Lei Fundamental em curso. Que artigos afinal serão alterados; e em que sentido isso será feito.

A Constituição da República tem 296 artigos, mas a revisão proposta pelo PS acaba no 74º. A partir desse artigo em diante os socialistas não propõem nenhuma mudança. Querem mexer em apenas 20 artigos, aditando um (que passaria a ser o artigo 64º-A).

O PSD é mais prolixo: quer alterar 71 artigos, revogar cinco e aditar quatro. O projeto dos sociais-democratas, um dos oito apresentados, é na verdade o mais extenso, ex aequo com o do PCP. Entre alterações, revogações e novos artigos, o PSD e o PCP propõem, cada um, 80 mexidas na Constituição. A disposição, no entanto, do PS, somente para uma revisão minimalista, indicia que a maior parte destas ideias ficará pelo caminho.

Substituir "direitos do homem" por "direitos humanos". Esta deverá ser a primeira alteração a acordar entre os dois maiores partidos, no caso do n.º 1 do artigo 7º ("Relações internacionais"). Mas o PSD quer também mexer no nº 2 e, embora o PS não o proponha, tudo aponta para a possibilidade de um entendimento. O artigo diz que "Portugal preconiza [...] a criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos". Por proposta do PSD deverá ficar que Portugal "preconiza" isso e ainda "um sistema internacional efetivo de proteção do ambiente".

O artigo seguinte onde ambos os partidos propõem alterações é no 9.º Um artigo fundamental para a definição de contrastes ideológicos, já que estabelece as "tarefas fundamentais do Estado" - e daí que as propostas pareçam pouco conciliáveis. Por isso mesmo antecipam-se mais dificuldades em entendimentos.

Por exemplo, o PSD defende que a "tarefa fundamental do Estado" é "promover" a "igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais", mas isto "através do modo de provisão que o melhor o garanta". Ou seja, para o PSD, o direito à saúde, por exemplo, não tem necessariamente de ser assegurado pelo Estado. Pode ser pelo sistema privado, se esse for "o modo de provisão que melhor o garanta". O PS não alinha, claro.

Mas se no artigo sobre as "tarefas fundamentais do Estado" não se vislumbram acordos substantivos, o contrário se deverá passar com o 27º, que define o "direito à liberdade e à segurança". Reside aqui um dos motivos principais desta revisão constitucional: adaptar a Lei Fundamental às dificuldades criadas na pandemia por problemas novos que não tinham enquadramento legal. Por exemplo, o confinamento compulsivo de pessoas infetadas com doenças contagiosas.

Atualmente, em caso de doença, só pode ser detido quem seja "portador de anomalia psíquica", e isto apenas depois de "confirmado por autoridade judicial competente". O PS propõe que esse princípio seja alargado a "pessoa portadora de doença contagiosa grave ou relativamente à qual exista fundado receio de propagação de doença ou infeção graves", bastando para tal, num primeiro momento, uma decisão "determinada pela autoridade de saúde", tendo esta "garantia de recurso urgente à autoridade judicial". Já o PSD quer "o confinamento ou internamento por razões de saúde pública de pessoa com grave doença infetocontagiosa, pelo tempo estritamente necessário, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente".

Havendo nas duas propostas uma diferença relevante - o tempo de intervenção da autoridade judicial -, antecipa-se, no entanto, forte possibilidade de se chegar a um entendimento.

Os artigos seguintes onde o PS e o PSD têm propostas são os 34º e 35º, o primeiro sobre "inviolabilidade do domicílio e da correspondência" e o segundo sobre "utilização da informática". Aqui o que está essencialmente em causa na proposta do PS é a possibilidade de os Serviços de Informações (vulgo "secretas") passarem a ter acesso, "mediante autorização judicial", aos chamados "metadados" das comunicações (ou seja, "dados de base, de tráfego e de localização de equipamento", quando tal se mostre necessário para "salvaguarda da defesa nacional, da segurança interna de prevenção de atos de sabotagem, espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente organizada"). O PSD vai no mesmo sentido mas com um artigo mais genérico: "A lei pode autorizar o acesso do sistema de informações da República aos dados de contexto resultantes de telecomunicações, sujeito a decisão e controlo judiciais."

De resto, PS e PSD querem mexer no artigo 64º ("Saúde"), mas aqui não se prevê acordo. Os sociais-democratas falam na "complementaridade entre os serviços público, privado e social" de saúde como forma de o Estado "assegurar o direito à proteção da saúde", algo que os socialistas interpretam como uma privatização do SNS.

Este é um dos artigos com mais propostas de alteração (só o Livre não lhe quer mexer). Os outros alvo de atenção geral são os 66º ("Ambiente e qualidade de vida"), 149º ("Círculos eleitorais"), 9º ("Tarefas fundamentais do Estado"), 35º ("Utilização da informática"), 59º ("Direitos dos trabalhadores"), 65º ("Habitação e urbanismo"), 74º ("Ensino"), 7º ("Relações internacionais"), 33º ("Expulsão, extradição e direito de asilo") e 49º ("Direito de sufrágio").

Os trabalhos da comissão de revisão já se iniciaram. Na sexta-feira passada discutiram-se propostas do Chega e da IL para alterar o preâmbulo da Lei Fundamental. O texto diz que "a 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista". O Chega, por exemplo, queria substituir a expressão "regime fascista" por "regime vigente". Já a IL pretendia acrescentar a esta frase uma outra: "A 25 de novembro de 1975 Portugal consolidou-se como regime democrático pleno, impedindo a instauração de um regime comunista." A maioria dos outros partidos disse que não. O preâmbulo vai ficar como está.

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