Consolação

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«O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. (?) O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. (?) A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: o país está perdido!»

Isto foi escrito em 1871, por Eça de Queirós, no primeiro número d'As Farpas. Reli este deprimente retrato da pátria na recém-publicada edição d'As Farpas de Eça (Ed. Principia), coordenada por Maria Filomena Mónica, historiadora que muito tem feito por dar a conhecer, hoje, o escritor e o homem. O que mais impressiona, claro, é a actualidade do diagnóstico: poderia ter sido escrito agora. E na altura não havia televisão?

Razão para um amargo pessimismo? Afinal, passado tanto tempo, depois de tantas revoluções e de vários regimes políticos, no fundo Portugal está na mesma. É verdade: mas também é certo que o País não acabou e que, apesar de todos aqueles defeitos, continua a ter alguns atractivos viver em Portugal. E há sempre a esperança de que, um dia, sabe-se lá quando e como, os portugueses dêem a volta. Outros conseguiram dá-la. Para já, consolemo-nos com a ideia de que o problema português não é de hoje. Continuamos iguais a nós próprios. A identidade nacional não está em risco.

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