Conservadores divididos procuram candidato de consenso para suceder a Truss

Primeira-ministra não resistiu à pressão e demitiu-se. Na corrida à sucessão à frente do partido - e do governo - haverá no máximo três candidatos, já que cada um deles precisa do apoio de cem deputados (são 357) .
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Ao 44.º dia em Downing Street, Liz Truss não resistiu à pressão e anunciou a sua demissão como líder do Partido Conservador. A ideia é que o sucessor - e futuro chefe de governo - seja escolhido até à próxima sexta-feira, com os candidatos a precisarem de recolher o apoio de cem deputados (são só 357) até às 14.00 de segunda-feira para entrarem na corrida. A tarefa de encontrar um nome unânime parecia ontem complicada, tal a divisão no partido e o número de candidatos de que se falava: do antigo ministro das Finanças Rishi Sunak, derrotado no verão por Truss, até ao ex-primeiro-ministro Boris Johnson. A oposição exige eleições antecipadas, mas esse é um cenário irreal.

Um dia depois de ter dito aos deputados que era uma "lutadora", não uma "desistente", a primeira-ministra admitiu não ter capacidade para "cumprir o mandato" para o qual foi eleita. "Assumi o cargo num momento de grande instabilidade económica e internacional", disse Truss numa curta declaração frente ao n.º 10, falando do aumento do custo de vida e da guerra na Ucrânia. "E definimos uma visão para uma economia com impostos baixos e crescimento elevado, que tirava vantagem das liberdades do Brexit", lembrou. Contudo, o seu mini-orçamento foi mal recebido pelos mercados e apesar dos vários recuos, Truss acabou por ceder e demitir-se.

Durante a manhã, a primeira-ministra tinha estado reunida com o responsável do Comité 1922, Graham Brady, que organizará as eleições internas - as segundas do ano no partido. Truss continuará na chefia do governo até ser escolhido um sucessor ou sucessora, num processo que disse ir durar uma semana. "Isso garantirá que continuaremos no caminho para entregar nossos planos fiscais [será a 31 de outubro] e mantemos a estabilidade económica e a segurança nacional do nosso país", indicou.

As regras das eleições internas foram anunciadas mais tarde por Brady, que revelou que os candidatos têm que conseguir reunir o apoio de 100 deputados até às 14.00 de segunda-feira para poder entrar na corrida. Isso implica que haverá, no máximo, três candidatos. Caso seja necessário reduzir esse número para dois, isso será feito ainda nesse dia numa votação pelos deputados. Os dois nomes serão depois submetidos à escolha dos militantes, online, com o resultado a ser conhecido na próxima sexta-feira. Mas poderá nem ser necessário nada disto, caso surja um candidato de consenso logo na segunda-feira.

Antes de serem conhecidas as regras multiplicavam-se as apostas sobre quem podia ser candidato. Um dos nomes mais falados era o de Rishi Sunak, que tinha sido o mais votado entre os deputados (137) na corrida à sucessão de Boris Johnson, perdendo contudo para Truss na votação dos militantes. Outro nome que se falava era o de Penny Mordaunt, atual líder dos conservadores no Parlamento, que perdeu para Truss por apenas oito votos a possibilidade de ir ao duelo final - mas ainda assim teve o apoio de 105 deputados (acima do mínimo agora requerido).

Falava-se ainda da possível candidatura de Suella Braverman, que se demitiu de ministra do Interior na quarta-feira, tendo na altura criticado o "rumo do governo", ou de Kemi Badenoch, que foi uma surpresa na luta pela sucessão de Johnson. O problema é que com o mínimo de cem apoios necessários, isso poderá ficar acima das capacidades de ambas.

Finalmente, o nome do próprio Johnson era citado por inúmeros deputados. O ex-primeiro-ministro foi apanhado de férias nas Caraíbas mas estaria já ontem a caminho de Londres. No seu discurso de despedida de Downing Street, a 6 de setembro, depois de ter sido obrigado a demitir-se no meio dos escândalos do seu governo, Johnson deixou antever um eventual regresso. Mas estaria a pensar no mais longo prazo, caso Truss não tivesse um bom desempenho nas eleições gerais - previstas, o mais tardar, para janeiro de 2025.

Contudo, 44 dias depois, está aí uma nova oportunidade, com alguns deputados a considerar que é o único que tem o mandato popular para ser primeiro-ministro. Outros lembram contudo que ainda está a ser investigado e que, depois de ter sido expulso, não poderá voltar. O facto de precisar de cem apoios poderá contudo ser um balde de água fria, havendo quem ache que o limite é tão elevado precisamente para o travar - porque as sondagens aos militantes mostram que provavelmente ganharia.

Enquanto o Partido Conservador prepara as eleições internas, toda a oposição exige eleições antecipadas, considerando que o futuro chefe do governo já não terá qualquer mandato dos eleitores britânicos. "Após 12 anos de fracasso dos conservadores, os britânicos merecem muito mais do que esta porta giratória do caos", indicou num comunicado o líder do Labour, Keir Starmer, exigindo eleições gerais.

O mesmo defende o líder dos liberais-democratas, Ed Davey. "Não precisamos de outro primeiro-ministro conservador a saltar de crise em crise. Precisamos de uma eleição geral agora e os conservadores fora do poder", escreveu no Twitter. "É imprudente que os conservadores afirmem que podem substituir Liz Truss por qualquer líder capaz de comandar autoridade, nacional ou internacionalmente", indicaram os Verdes em comunicado.

Também a chefe do governo da Escócia e líder do Partido Nacionalista Escocês, Nicola Sturgeon, quer eleições antecipadas, dizendo que em 44 dias nem recebeu um único telefonema de Truss. "Não há palavras para descrever adequadamente esta confusão total", disse no Twitter, dizendo que a situação está para lá de qualquer "hipérbole" e lamentando que sejam os cidadãos quem está a pagar o preço. Para ela as eleições gerais são um "imperativo democrático".

Contudo, com uma maioria confortável no Parlamento (tem 357 dos 650 deputados) e diante das sondagens que indicam que estão 30 pontos percentuais atrás dos trabalhistas, os conservadores não estão dispostos a ir a votos.

6 de setembro: Um dia após ter sido declarada vencedora das eleições dentro do Partido Conservador (com mais 21 mil votos do que Rishi Sunak), Liz Truss é confirmada como primeira-ministra numa audiência com a rainha Isabel II.

8 de setembro: O pacote de apoio para ajudar as famílias a pagar as contas de energia fica para segundo plano com o anúncio da morte de Isabel II. Os dez dias de luto nacional resultam na suspensão da atividade governamental.

23 de setembro: O ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, anuncia o corte nos impostos dos mais ricos e cancela o aumento previsto dos impostos sobre as empresas, entre outras medidas polémicas do seu mini-orçamento. Revela ainda que o apoio para a energia vai custar 60 mil milhões de libras. Na prática, anuncia um corte nas receitas e um aumento nas despesas, indicando que tudo será pago através de empréstimos, aumentando a dívida pública. Os mercados reagem imediatamente em queda.

28 de setembro: O Banco de Inglaterra é obrigado a intervir depois de os fundos de pensões britânicos ficarem em risco.

3 de outubro: Kwarteng e Truss são obrigados a recuar numa das medidas mais polémicas, o corte nos impostos dos mais ricos. Mas a situação continua difícil.

14 de outubro: Depois de mais recuos, Kwarteng é demitido, com Jeremy Hunt a ser nomeado ministro das Finanças.

17 de outubro: Hunt rasga praticamente tudo o que restava do mini-orçamento, indicando que serão necessárias medidas difíceis - o plano de médio prazo será anunciado no dia 31 de outubro.

19 de outubro: A ministra do Interior, Suella Braverman, demite-se por uma alegada falha de segurança, mas sai com críticas a Truss.

20 de outubro: 44 dias depois de tomar posse, Truss demite-se, esperando-se que um novo líder seja eleito até dia 28 de outubro.

susana.f.salvador@dn.pt

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