Conselho de Estado e o sigilo
O Conselho de Estado é um órgão consultivo de parecer obrigatório, mas não vinculativo sobre algumas decisões do Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa tem dado algum relevo ao Conselho de Estado pelas inúmeras reuniões que já convocou. E, faz muito bem. A democracia é isto: dialogar, escutar, opinar e concluir.
Considero importante este órgão poder aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções, por sua solicitação. Que foi o caso, desta última reunião.
O Presidente da República pode limitar-se a ouvir os membros do Conselho, sem proceder a qualquer votação.
Esta do sigilo do que se passou no Conselho de Estado tem a sua piada, pois favorece o estilo de António Costa.
As actas do Conselho de Estado não podem ser consultadas nem divulgadas, durante um período de 30 anos, mas também pode acontecer que, no todo em parte podem ser divulgadas em casos excepcionais, por decisão do Presidente da República.
Discutir o que se passa no país político, fazer uma análise política e económica do país têm algum sigilo? Todos os portugueses devem exigir saber o que se passa no Conselho de Estado.
Que eu saiba não estamos em guerra com nenhum país? Não há que guardar segredo. De outro modo, estas reuniões do Conselho de Estado não servem para nada.
Sou a favor que se modifique o Regimento do Conselho de Estado, que data de 1984 ao tempo de Ramalho Eanes. A democracia tem que evoluir e aproximar-se dos cidadãos. A democracia não pode ser autista.
Se é sigiloso não tem que ser divulgado antecipadamente. Ponto!
O Conselho de Estado pode aprovar e modificar o seu Regimento, interpretar as suas disposições e integrar as suas lacunas. Deve actualizá-lo e tornar as reuniões do conhecimento de todos os portugueses.
Dar conhecimento aos portugueses de uma reunião que previamente convocada, conhecida na imprensa e pela opinião pública só não deve ser público algo que ponha em causa segredos de Estado e a segurança da Pátria.
Saber o que se passa numa reunião do que os vários conselheiros pensam do estado do país tem que ser sigiloso?! Há aqui qualquer coisa que não bate certo e põe em causa a democracia na sua acepção da palavra.
O que está em causa é a vida dos portugueses, medidas que o governo toma ou pode tomar para fazer frente aos inúmeros problemas que os portugueses enfrentam todos os dias: inflação, preços dos bens essenciais, estado do ensino, saúde pública, estado da justiça, subida das taxas de juro, impostos, TAP, performance de alguns ministros, entre outros.
Consta-se que António Costa não quis falar, uma atitude inteligente para sua protecção. Reparem se todos os conselheiros não falassem! A reunião do Conselho de Estado era uma reunião de mudos.
Se, o Conselho de Estado foi convocado por Marcelo Rebelo de Sousa com Parte I e Parte II , foi evidentemente para se chegar a uma conclusão e dar um parecer. Evidentemente que não é vinculativo, mas a tomada de decisão é importante.
Da discussão nasce a luz, do silêncio nasce o enigma.
No fundo, António Costa desvalorizou o Conselho de Estado e ancorou-se no Parlamento porque tem maioria absoluta.
Penso que o Presidente da República deveria ter exigido que António Costa desse a sua opinião. Não o fez e António Costa com o seu silêncio esquiva-se, distancia-se, desvia-se e salva-se.
No fundo Marcelo Rebelo de Sousa procurou colocar António Costa entre a espada e a parede, porém António Costa fugiu desse cenário de forma sibilina.
Neste país há questões que parecem retiradas da ficção.
Este país é uma confusão quando falamos de política estamos a falar mais da relação entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, do que é mais importante - não se sabe qual é o orçamento para este ano.
A lógica dos partidos divide a vida em blocos, ora ideológicos, ora de interesses: consiste em buscar a sua própria justificação e o erro alheio, sem muitas vezes ver o interesse nacional.
Não façamos da relação entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa uma tempestade e andar todos os dias a ver onde há dissenso, diferenças e discórdia. Evidentemente, que têm e vão continuar a ter divergências, que é diferente de desavenças: um é social-democrata , outro é socialista. É normal. Parece que se deseja que as coisas entre os dois vão mal.
O importante não são os galhos, mas sim a árvore (o país) que é importante não a deixar cair.
Joaquim Jorge é fundador do Clube dos Pensadores