Conseguirão os incêndios derrubar Tsipras?

Primeiro-ministro apelou à união depois dos fogos que fizeram pelo menos 80 mortos na Grécia, mas a oposição já começa a criticar atuação do governo. País sai do programa de assistência a 20 de agosto. Vai a votos em outubro de 2019.
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"O primeiro-ministro ateu Alexis Tsipras atraiu a ira de Deus", escreveu no seu blogue o bispo Amvrosios de Kalavryta no Peloponeso. Citado pela edição em inglês do jornal Ekathimerini, o religioso ortodoxo culpou o chefe do governo grego pelos incêndios que fizeram pelo menos 80 mortos e 187 feridos na região de Atenas.

O bispo Amvrosios - de cujas declarações a Igreja Ortodoxa já se distanciou - é apenas uma das várias vozes que começaram a erguer-se para criticar o governo de aliança entre o Syriza e os Gregos Independentes e a forma como geriram a resposta aos fogos. Prestes a sair do programa de assistência financeira - a partir de 20 de agosto a Grécia pode regressar aos mercados depois de mais de oito anos e três pedidos de resgate -, a Grécia vê-se agora confrontada com os piores incêndios em mais de uma década.

Mais uma dor de cabeça para Tsipras, já confrontado com uma vaga de refugiados vindos sobretudo da Síria e com eleições previstas para outubro de 2019. A pouco mais de um ano de os gregos voltarem às urnas, uma sondagem do instituto Metron Analysis publicada em finais de junho pelo jornal Ta Nea dá à Nova Democracia quase 14 pontos de vantagem sobre o Syriza - o partido de Kyriakos Mitsotakis conseguiria 36,7% dos votos, contra apenas 22,6% para a formação do primeiro-ministro. O centrista Movimento para a Mudança, de Fofi Gennimata, surgia em terceiro lugar com 9,9%, à frente da Aurora Dourada (extrema-direita) com 8%.

Depois de uma trégua e demonstrações de união na terça-feira, as primeiras críticas surgiram timidamente. Mesmo por parte de uma feroz adversária de Tsipras. Em declarações à Freedom TV, a líder do partido Caminho da Liberdade sublinhou que "o tempo não é responsável pelas tragédias nacionais", apelando à apuração de responsabilidades "pessoais, políticas e criminais". A antiga presidente do Parlamento grego, que deixou o Syriza para criar a sua própria formação, criticou os que deixavam "os seus cidadãos abandonados", lamentando que Tsipras não tenha ainda ido ao terreno.

O alvo das críticas é claro: Tsipras. A 9 de julho, Zoe escreveu um artigo de opinião no diário britânico The Guardianno qual pedia: "Se gostam da Grécia ajudem-nos a livrar-nos de Alexis Tsipras e do seu partido zombie." Segundo a ex-presidente do Parlamento, o primeiro-ministro e o Syriza "traíram o povo grego e os seus princípios".

Apelos à união e críticas veladas

De visita à Bósnia, na terça-feira o primeiro-ministro grego voltou de emergência a Atenas devido aos fogos. Na quarta-feira, colocou no Twitter imagens de uma reunião de emergência do governo em Atenas. Confrontado com a dimensão da tragédia, o chefe do executivo afirmou: "Agora é o momento da unidade e da solidariedade, não pode haver diferenças ou imposições de culpa (...). É o momento de mobilização e de lutar para salvar o que pode ser salvo." Tsipras decretou o estado de emergência na região de Ática e três dias de luto nacional.

Mas isso não impediu algumas críticas do líder da oposição. Num post colocado no Facebook, Mitsotakis garantiu: "Este não é o momento para pedir contas." Lembrando que o país está de luto, o líder da Nova Democracia apelou à "união e solidariedade", não deixando contudo de lembrar que "algo tem de mudar e temos de passar das palavras fáceis para os projetos difíceis".

Algumas organizações de antigos bombeiros denunciaram a ausência de um plano de emergência, além da falta de preparação dos mecanismos do Estado para reagir a uma tragédia destas dimensões.

As mesmas fontes, citadas pelo Ekathimerini , afastam a possibilidade de se ter tratado de fogo posto, como estava a ser avançado pelo governo, onde antes as culpas pela dimensão que os incêndios atingiram na falta de coordenação entre a Autoridade da Região de Ática, os Serviços de Bombeiros e a Proteção Civil.

As voltas e reviravoltas do resistente Tsipras

Nascido em Atenas em 1974, cedo Alexis Tsipras se juntou à juventude do Partido Comunista, destacando-se nos protestos estudantis contra os planos de reforma da edução. Formado em Engenharia, começou a carreira na construção. A política a sério surgiu com a liderança da juventude do Synaspismos, que viria mais tarde a fazer parte do Syriza, uma coligação da esquerda radical.

Candidato à presidência da Câmara de Atenas em 2006, já pelo Syriza, conseguiu mais de 10% dos votos e dar-se a conhecer aos gregos.

Dois anos depois assumia a liderança do partido, sendo eleito deputado em 2009.

Dos 5% nas legislativas de 2009, Tsipras conseguiu passar para 16,8% no escrutínio de maio de 2012. Um resultado que viu melhorar ainda mais nas novas eleições do mês seguinte, convocadas após a Nova Democracia ter falhado a constituição de um governo nas anteriores.

Em janeiro de 2015, Tsipras levaria o Syriza à vitória, depois de uma campanha baseada na ideia de que iria rasgar o programa de assistência financeira a que o país estava sujeito. Mas a realidade da governação rapidamente o levou a moderar as suas posições.

Foram longas reuniões em Bruxelas com os gregos obrigados a impor medidas de austeridade rigorosíssimas, negociações difíceis que tornaram o então ministro das Finanças, Yanis Varoufakis numa verdadeira estrela mundial.

Mas depois de convocar um referendo sobre se a Grécia devia ou não aceitar as condições do resgate propostas pela Comissão Europeia, o FMI e o Banco Central Europeu e de o "não", que defendia, ter ganho, Tsipras protagonizou a reviravolta e assinou um terceiro resgate de 86 mil milhões de euros.

Criticado internamente, com a ala mais à esquerda do partido a rebelar-se e os deputados a abandonar a formação, deixando o primeiro-ministro sem maioria, Tsipras demitiu-se a 20 de agosto de 2015 e convocou novas eleições.

A 20 de setembro, contra todas as previsões, os gregos voltavam às urnas para dar um voto de confiança ao Syriza. Os 35,5% dos votos que conseguiu (e que trazem com ele um bónus de 50 deputados dado ao partido vencedor) chegaram para Tsipras renovar a coligação com os Gregos Independentes, da direita nacionalista.

Casado e pai de dois filhos, aquele que aos 40 anos se tornou o mais jovem primeiro-ministro da Grécia tem nos últimos anos protagonizado uma aproximação aos socialistas europeus, participando mesmo nas suas reuniões, e preparava-se agora para celebrar a saída do programa de assistência que há oito anos mergulhou a Grécia na austeridade. Mas os fogos podem conseguir aquilo que até agora os rivais políticos não conseguiram: derrubar Alexis Tsipras.

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