A microbiota tem-se tornado nos últimos anos alvo de redobrado interesse, tanto da comunidade científica como da população. Foi o que levou também Sari Arponen a escrever o livro A Culpa é da Microbiota, onde pretende explicar a influência que a regulação ou desregulação destes microrganismos têm na nossa saúde..Sari Arponen é especialista em medicina interna e durante quase vinte anos trabalhou no sistema de saúde público de Espanha. Atualmente dedica o seu tempo à área da microbiota e da medicina do estilo de vida, uma área clínica que está focada na melhoria do estado de saúde através da promoção do bem-estar e qualidade de vida, e que que atua em sinergia com diferentes especialidades clínicas..Comecemos então por explicar a microbiota: é o conjunto de microrganismos, como bactérias, fungos, vírus, protozoários e archaea (são semelhantes às bactérias), que vivem nos nossos corpos e podem ser encontrados na boca, na pele, nos intestinos - aquilo que até há uns anos era conhecido como flora. "Estes microorganismos são importantes para a nossa saúde porque têm várias funções, como ajudar a digerir aquilo que comemos, proteger-nos de microrganismos "maus", ajudar no funcionamento do sistema imunitário", explica a autora. A microbiota também é o que "toma conta" da barreira do intestino, que tem de estar saudável para que o nosso corpo esteja saudável..A conexão entre o intestino e o cérebro é um conceito que tem sido reforçado nos últimos anos, com muitos especialistas a considerarem que o intestino é o nosso segundo cérebro. Sari Arponen concorda com esta ideia e explica que existem várias formas da microbiota influenciar o cérebro. "Esta frase pode ser um pouco exagerada, mas há de facto várias maneiras da microbiota influenciar o cérebro.Uma das formas mais importantes é o nervo vago, que liga o intestino ao cérebro e recebe sinais que podem dar pistas sobre algum problema de saúde", diz a médica..O nervo vago, o mais longo do corpo humano, faz parte do sistema nervoso e controla as funções corporais involuntárias, transmitindo mensagens entre o cérebro e outras partes do corpo, como o coração e o sistema digestivo. Este nervo é bastante sensível ao stress, por isso, em alturas de grande pressão o seu funcionamento vai ser afetado..Uma das formas de conhecer a nossa microbiota e saber como melhorá-la é através de um exame às fezes. "Este é um teste caro e temos de ter em conta que a microbiota intestinal está sempre a mudar. Claro que é importante fazer testes, mas é ainda mais importante saber como é que a pessoa come, o estilo de vida, os sintomas", considera a autora..Em situações em que há suspeita da existência de SIBO (Small Intestinal Bacterial Overgrowth), o supercrescimento bacteriano e uma forma muito particular de disbiose (desequílibrio da microbiota), o pedido dos exames necessários é fundamental. "Se estivermos saudáveis não damos conta da existência da microbiota, mas se tivermos problemas de saúde, doenças ou sintomas, podemos afirmar que há um desequílibrio da microbiota". Algumas doenças podem ser causadas por esse desequílibrio , como a diabetes, obesidade, doenças neurológicas como o Alzheimer ou o Parkinson, e até a depressão e ansiedade. "Mesmo se uma pessoa não tiver uma doença, mas tiver sintomas como diarreia, prisão de ventre ou dor depois de comer, pode significar um desequílibrio da microbiota", esclarece Sari Arponen..Atualmente, a médica conta que os pacientes que a procuram não têm dificuldade em compreender a importância da microbiota para a sua saúde em geral. Sari Arponen considera que existe um empoderamento em ter a microbiota sob controlo. "Os meus pacientes estão muito interessados em como aliar a sua saúde global com o estilo de vida. Isto é, como comer bem, como fazer exercício, como regular o stress"..Sari Arponen descreve o livro A Culpa é da Microbiota como uma grande explicação da influência destes microrganismos na nossa saúde, incluindo coisas que não consegue esclarecer em apenas uma consulta..Cofundadora da plataforma de divulgação sobre saúde e estilo de vida Slow Medicine Revolution, a finlandesa considera que ainda há uma lacuna entre os cientistas que estudam o microbioma e os médicos que trabalham nos hospitais. "A maioria dos médicos no sistema de saúde público não tem tempo para estudar a microbiota, além de que o estudo das fezes não está incluído no sistema público. Por isso é complicado que os médicos entendam a importânica destes microrganismos"..Nos últimos anos foram escritos cerca de 140 mil artigos científicos sobre este tema, com cerca de metade a terem sido produzidos nos últimos três anos. "Acredito que à medida que a ciência avança e os pacientes exigem ferramentas para ter um microbioma mais saudável, vamos ver mais médicos a cuidar da microbiota dos seus pacientes"..sara.a.santos@dn.pt