Concerto incandescente colocou ponto final no Festival Cantabile 2015
E ao quinto concerto, o Cantabile chegou ao fim. Mas não se pense que respirou fundo - na verdade, dificilmente se poderia conceber um concerto mais... resfolegante.
Num fim de tarde quente e numa Sala dos Espelhos lotada e abafada, a violetista Diemut Poppen (diretora artística do Cantabile) e três músicos convidados do Festival 2015 - violinista Barnabas Kelemen, violoncelista Laszlo Fenyö e pianista Balázs Szokolay - desfiaram obras de Schumann, Brahms, Kodály, Kurtág e Szokolay.
E como adivinhar o curso "fogoso" que o concerto iria tomar, após umas Märchenbilder ("Quadros de contos de fadas", para violeta e piano, de Schumann) tão repletas de poesia? Como não anuir interiormente ao grande arco expressivo desenhado por Diemut Poppen, com cume na 3.ª peça, para se fazer terna e noturna despedida na peça seguinte, a última?
Mudança de protagonistas para a segunda peça: violino e violoncelo no Duo, op. 7, de Zoltan Kodály - no fundo, uma sonata em três andamentos -, obra de 1914. Obra húngara nas mãos de intérpretes húngaros, o resultado foi uma bem sucedida "provocação" mútua de início ao fim, isto é, a quintessência do conceito "fazer música juntos". Perante intérpretes que vertem uma partitura como o ar que respiram e que entendem e reagem à perfeição (a)os "sinais" enviados pelo colega, alcança-se a essência da interpretação musical realizada ao vivo: uma espécie de "escultura sonora" espontânea.
A segunda parte teve a abrir dois momentos para piano solo: primeiro, oito breves peças dos Jogos, de György Kurtág, grande patriarca da música húngara, hoje com 89 anos: dissemos breves, podíamos dizer aforísticas. Intensas, mesmo quando (falsamente) pueris, dependendo do intérprete tanto (ou mais!) quanto do compositor para a revelação plena da sua vida frágil. A seguir, a Suite da ópera Bodas de Sangue, de Sandor Szokolay, pai do pianista. Aqui, agradou-nos sobretudo a 1.ª parte, que nos fez lembrar os ambientes noturnos e lúgubres de um certo Ravel, a preceder uma 2.ª parte mais expansiva.
Para terminar, o Quarteto com piano em sol m, op. 25, de Brahms. E aqui produziu-se um efeito paralelo ao do Kodály, apenas "ao quadrado"! O Allegro inicial e o Andante con moto atingiram cumes absolutos de intensidade expressiva, enquanto que o Scherzo teve aquela contenção-em-tensão indispensável para lhe revelar a natureza. O Rondo final foi endiabrado: uma celebração esfuziante da matriz húngara que atravessava o programa: raramente aquele Rondo alla zingarese ("Rondó à cigana" - os conceitos de música húngara e cigana foram por muito tempo osmóticos) soou tão carregado de eletricidade - como uma descarga em contínuo durante quase dez minutos! Mesmo que se faça o reparo de um nível sonoro ocasionalmente excedendo as capacidades acústicas/volúmicas da sala, ele surgiu sempre justificado.
Os organizadores mostravam-se no final muito satisfeitos, perante números de assistência a rondar os 2200 espetadores em cinco concertos: três salas cheias, uma "mais que cheia" (Ruínas do Carmo) e outra (Grande Auditório Gulbenkian) a uns dois terços da capacidade.