Concertação sem conserto
Para os mais distraídos, ou menos atentos a estas matérias, existe um "procedimento" que se chama "Concertação Social". E para que serve a "Concertação Social"? Ora aí está uma boa pergunta!
Se atendermos apenas à definição da palavra "concertação", ela já nos dá uma boa pista. Se não vejamos: "combinação ou entendimento entre pessoas ou entidades sobre algo; ato ou efeito de concertar ou conciliar." Se lhe juntarmos o caráter social, concluímos que devia ser tal e qual isto, mas ao nível do diálogo e dos acordos entre governo e parceiros sociais (confederações patronais e confederações sindicais).
Há já um bom tempo a esta parte que a "Concertação Social" tem vindo a ser, digamos, desvirtuada no seu propósito e isso porque qualquer concertação pressupõe que haja espaço para a negociação e, por isso, as decisões não podem estar, à partida, já tomadas.
Num passado recente aconteceu as confederações patronais abandonarem a Concertação Social precisamente porque o governo acrescentou inúmeras medidas laborais não-discutidas com os parceiros sociais, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno. As confederações consideraram então, e bem, que tal constituía um claro atropelo a um efetivo processo de Concertação Social.
Relembro que, na altura, em finais de 2021, discutia-se o Orçamento do Estado e tentava-se ainda obter um consenso que levasse à sua viabilização, mas desta feita entre governo e outros grupos parlamentares, leia-se, parceiros de coligação da altura.
Hoje a situação é diferente, mas igual. Diferente porque o governo tem maioria absoluta, o que faria pressupor que já não estaria "amarrado" a anteriores acordos. E igual porque, mais uma vez, a Concertação Social é descurada. E isto num momento em que se julgava que se iria devolver à Concertação Social e ao diálogo social a sua merecida dignidade.
O tema, esse, é o mesmo: a Agenda para o Trabalho Digno e as correspondentes alterações à lei laboral, que já foram aprovadas em Conselho de Ministros, sem o acordo dos parceiros sociais.
A matéria laboral é um dos temas mais importantes para qualquer empresa, mas muito particularmente para aquelas que operam na área do Turismo, dadas as suas especificidades. Se há matéria que deve ser discutida, e tudo fazer-se para que se obtenham consensos e acordos, essa matéria é a lei laboral. E, lamentavelmente, muitas das medidas da referida Agenda vão, claramente, pôr em causa a eficiência laboral no Turismo - mas sobre isso, ainda muito se irá escrever.
A Concertação Social não é um instrumento deste ou daquele governo, mas sim um instituto essencial da nossa democracia que é fundamental para a paz social e, por isso, tem de se dar conteúdo, mas acima de tudo valor, ao facto de determinada matéria "ir à Concertação Social", para que não seja apenas um mero e incómodo formalismo que tem de ser cumprido.
Aqui chegados, e porque sou otimista por natureza, acredito que a Concertação Social ainda se vai consertar e vai voltar a ser um espaço de diálogo e de consensos, em que os parceiros sociais são verdadeiramente ouvidos, e não apenas um espaço onde se legitimam opções políticas dos governos, sejam eles quais forem.
Secretária-geral da AHRESP - Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal