Conan Osiris. O rapaz da sex shop vai subir ao palco do Coliseu

Foi um ano em grande para o vencedor da última edição do Festival da Canção, encerrado com a estreia em nome próprio no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, com um concerto esta quinta-feira que "marca o fim de um ciclo".
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Quando, há já quase dois anos, subiu pela primeira vez ao pequeno palco da ZDB (Galeria Zé dos Bois) para fazer a primeira parte da brasileira Linn da Quebrada, Conan Osiris estava "completamente aterrado". Afinal, a sua música, criada a partir de um computador, "não foi propriamente feita para ser apresentada ao vivo", como revela nesta entrevista ao DN concedida na sex shop onde trabalhava poucos dias antes de se estrear em nome próprio na mais emblemática sala nacional, o Coliseu dos Recreios, em Lisboa.

Foi um 2019 em grande para Conan Osiris, o alter ego musical do lisboeta Tiago Miranda, que aos 30 anos se tornou uma das figuras mais conhecidas da música nacional, mas nem por isso das mais consensuais, como o próprio reconhece. Para isso muito contribuiu a vitória na última edição do renovado Festival da Canção (e consequente participação na Eurovisão), que apresentou as suas canções ao grande público, as de há muito conhecidas no underground lisboeta. O mesmo que amanhã deverá encher o Coliseu, numa espécie de consagração de um artista que nasceu diferente e assim quer continuar a ser.

Como é que a música surge, literalmente, nesta sex shop, onde trabalhava?
Por incrível que pareça, alguma da minha última grande educação musical foi feita mesmo aqui. Além de haver sempre música a tocar, através da qual eu ia conhecendo muitas coisas novas, também passava bastante tempo no computador e isso permitiu-me descobrir outras realidades artísticas, muito além daquilo que eu na altura gostava. Foi essa a génese que me permitiu preparar todas as influências depois presentes na minha música.

E o clique para fazer música, quando é que surgiu?
Também quando trabalhava aqui e alguns amigos ligados à moda começaram a pedir-me para fazer música para os desfiles deles na ModaLisboa ou no Portugal Fashion. Daí o título desse primeiro disco, que se chama Silk, por ter sido pensado como uma banda sonora para moda. À exceção do tema Amália, que foi o primeiro a ter voz, todos os restantes são instrumentais.

Disco esse que vai pela primeira vez ter uma edição física neste concerto do Coliseu, certo?
Exatamente, e por isso essa caixa, que inclui ainda os meus outros dois discos, vai precisamente chamar-se Música do Tempo da Loja. Será a primeira vez que todos eles vão ter uma edição física, que vai estar à venda no Coliseu.

Como é que o rapaz desse tempo da loja olharia para o Conan Osiris de agora, prestes a estrear-se no Coliseu dos Recreios, uma das salas mais emblemáticas do país?
Olharia de uma forma muito estranha, porque o rapaz desse tempo nunca acreditou que um dia seria possível acontecer tudo o que me aconteceu nestes últimos anos. Nada disto faz muito nexo, tenho de admitir, mas acabou por acontecer e é muito bom.

Conta-se que quando se estreou ao vivo, na ZDB, estava bastante receoso, porque dizia que a sua música não tinha sido feita para ser apresentada assim, num palco, é verdade?
Exatamente, estava completamente aterrado...

E agora está prestes a estrear-se no Coliseu dos Recreios...
É verdade, ainda no outro dia estava a pensar nisso. Essa noite na ZDB foi o meu primeiro concerto e este vai ser o último desta era. Tudo o que lá vou fazer e apresentar pertence a um universo que ficou para trás, do qual, de certa forma, me vou despedir nessa noite. É um marcador que vou gostar de meter, apesar de ainda não saber se é apenas um capítulo ou já um livro que se encerra.

O Coliseu tem mesmo aquele peso que a maioria dos artistas diz?
Acima de tudo, o Coliseu funciona com a energia das pessoas que lá estão para ver os artistas. Sou muito preocupado com as questões técnicas e todas as visitas que fiz ao espaço foram para perceber se tenho ou não as condições necessárias para o espetáculo que pretendo fazer. Ou seja, estava completamente desligado de aquilo ser ou não o Coliseu. Acho que só vou sentir esse peso no dia do concerto, quando lá estiver com as pessoas todas reunidas à nossa volta.

Sente que o facto de ter ganho o Festival da Canção alargou o seu público, que até então era muito mais de nicho, permitindo-lhe chegar agora ao Coliseu?
Acredito que chegaria lá de qualquer forma, mas é inegável que o festival acabou por me dar um impulso. Nunca saberemos o que aconteceria se não tivesse vencido, mas sinto que ajudou, embora por vezes isso também provoque uma certa fricção.

Em que sentido?
No sentido de uma sobre-exposição que nem sempre me beneficia, porque não há uma total clareza sobre mim, enquanto artista, nem o consenso necessário para haver mais fluidez entre a minha música e o público, mas no final, somando tudo isto, tenho de reconhecer que foi benéfico.

Havia uma maior fluidez quando era um artista mais underground, por exemplo?
Sem dúvida, mas essa fricção de que falei também tem utilidade, porque me espicaça e faz que tenha mais coisas a dizer.

Como é que lidou com essa sobre-exposição, que a dada altura se torna muito mais pessoal do que artística?
Estou numa posição um pouco estranha, porque não me encaixo em nenhum estilo de celebridade e isso torna-me um ser um pouco estranho para a maioria das pessoas. OK, sou um músico, mas muito pouco consensual, tenho que ver com moda, mas também não pertenço aí por completo... Ou seja, tenho micropresenças nesses vários universos sem estar propriamente sobre-exposto através deles, o que deixa as pessoas um pouco à toa. Tanto apareço num vídeo da Blaya como colaboro com a Catarina Branco, que é uma artista muito mais underground. Mas isso é fixe, porque questiona os rótulos, que felizmente fazem cada vez menos sentido.

Chegou recentemente da China, onde atuou num festival em Zhuhai e também em Macau. Como foi essa experiência, de se apresentar perante um público que não o conhece ou sequer o entende?
Foi incrível. Apesar de haver esse desconhecimento, senti-me estranhamente em casa, especialmente em Zhuhai, onde não se via um único ocidental no público. Ninguém estava condicionado pelas letras ou pelo show do Conan Osiris, estavam ali para ver um espetáculo de alguém que não conheciam e ficaram até ao fim sempre bastante focados e participativos. Foi uma experiência muito interessante, de partilha entre o público e o artista, que nunca antes tinha vivido. Em Macau, como já havia mais portugueses, a reação foi completamente diferente, o que me deixou a pensar no que vou fazer a partir de agora, por exemplo, em relação a letras.

Pode estar aí uma pista para o tal novo capítulo pós-Coliseu?
Neste momento estou mais a pensar numa reinvenção da forma, porque até aqui sempre fiz música que não foi pensada para ser tocada ao vivo. As circunstâncias levaram-me para o palco e a partir de agora tudo o que fizer já vai estar condicionado por essa realidade, porque sei que vou tocar ao vivo e isso muda tudo, a estrutura e a maneira como eu pretendo que as pessoas oiçam a minha música. Estou a pensar em fazer temas mais curtos e mais imediatos, por exemplo. Almejo uma maior simplicidade, porque também é isso que gosto de consumir, enquanto ouvinte, no meu dia-a-dia.

Será, portanto, um Conan Osiris mais pop?
Eventualmente. Na verdade, e apesar de toda a complexidade da minha música, sempre me considerei um artista pop.

E este espetáculo, como é que vai ser?
Vai ter surpresas e convidados, mas isso é algo que não quero reforçar muito. Acima de tudo esperem um grande show, com a presença de alguns amigos que fizeram parte deste percurso de dois anos.

Conan Osiris

Coliseu dos Recreios, Lisboa. 12 de dezembro, quinta-feira, 21.00. Bilhetes a 20 euros.

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