Competição Nacional - Programa 1

Novos filmes de Tiago Rosa-Rosso, Paulo D"Alva, Filipa César, Sérgio Ribeiro e IvoM. Ferreira representam o primeiro dos quatro programas da competição nacional do festiva.
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"O cinema é uma invenção sem futuro" - a afirmação, dita por Louis Lumière e relembrada mais tarde em O Desprezo de Jean-Luc Godard, volta a pairar sobre o Curtas Vila do Conde, que insiste em contrariar a crença do inventor do cinematógrafo com a sua mostra das curtas-metragens portuguesas realizadas no último ano. A primeira sessão decorreu com cinco títulos que, de algum modo, tentam desenhar novos caminhos no cinema.

A citação é também da animação Carrotrope, o filme de Paulo D'Alva (dirigiu também A Noite Cheirava Mal, estreado em 1999) produzido por Rodrigo Areias que nos apresenta a um brinquedo óptico que reúne dois objetos cíclicos: o carrossel e o taumatrópio (um outro brinquedo do século XIX que faz com que a nossa visão sobreponha duas imagens diferentes). Isto para acompanhar o quotidiano de um homem que connosco se transforma e viaja para o devir da história do cinema - passando por E Tudo o Vento Levou e Chaplin até o western e os Óscares...

Se este filme é movido pela consciência do cinema e por um fascínio pela circularidade então Incubi, de Sérgio Ribeiro, parece também dar importância a este movimento. Parte de um desafio (corporizar e entrar no sono e interior de uma pessoa) e filma, numa fotografia abstrata a preto e branco, o encontro fantasmático entre a protagonista e um estranho visitante. O resultado é um breve que privilegia a sua atmosfera desorientadora - mas não por isso perturbadora.

Em direção oposta ao surrealismo de Sérgio Ribeiro segue Filipa Reis com Conakry, que integra o projeto Luta ca caba inda (ou A Luta ainda não Acabou, dedicado a dar a ver o que foi o cinema militante da Guiné-Bissau depois da independência em 1974) e que é antes de mais uma espécie de tour de force formal. Trata-se de um plano-sequência filmado a 16mm no interior da Haus der Kulturen der Welt em Berlim e que une espaço e tempo presentes com outros tempos e espaços através da projeção do material filmado na Guiné-Bissau. Este exercício formal acaba assim por fazer refletir sobre o poder e os labirintos da memória e o modo como todas as imagens contêm nelas muitas histórias.

Atento ao seu presente está Ao Deus Dará, segunda curta-metragem de Tiago Rosa-Rosso (também foi ao Curtas Vila do Conde em 2011 com o seu Peixe Azul, merecedor de menção honrosa no festival), que foi também produtor, argumentista e responsável pela montagem e parte da imagem e som. Admira-se o espírito independente da produção e a confiança na interpretação do protagonista - mas não o ajuda a construção narrativa em tom de fábula irónica (a história de um vendedor porta à porta carregado de dívidas que exerce o crime para sobreviver) com laivos de um realismo social algo pobre e reducionista (como já se tornou habitual na paisagem de algum cinema português recente).

Por fim ficamo-nos com uma lufada de ar fresco nesta sessão: Na Escama do Dragão (na foto), o novo filme de Ivo M. Ferreira (realizou já as longas Em Volta e Águas Mil) que integra o projeto para a CEC 2012 O Castelo em Três Atos, comissariado por Paulo Cunha e Silva). A curta-metragem, construída sofisticadamente e para se enquadrar próxima das suas personagens, acompanha uma jornalista da televisão de Macau (Margarida Vila-Nova) e o seu operador de câmara (Siun Chong) na descoberta de um naufrágio numa viagem de trabalho ao sul da China. Esse naufrágio acabará por representar uma série de colapsos - da identidade do casal, dos vários tempos que juntos convivem e da presença muito distante e abstrata de Afonso Henriques.

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