Qual a relação das nossas crianças com o cinema? A pergunta suscita, por certo, uma infinidade de respostas, quanto mais não seja porque, para além das também infinitas diferenças individuais, essa relação envolve complexos fatores sociais e culturais. Escusado será dizer que, melhor ou pior, uma criança de uma cidade onde deixou de haver salas de cinema a funcionar regularmente não tem (não pode ter) a mesma relação com o cinema de uma criança que viva em Lisboa ou no Porto....O certo é que, não poucas vezes, as mais fortes imagens públicas das crianças face aos filmes (entenda-se: as imagens do espaço televisivo) reduzem-nas a marionetas compulsivas. Explora-se o pitoresco das crianças que se vestem, por exemplo, imitando as personagens de Harry Potter, mas não se representam essas mesmas crianças na mais primitiva dimensão cinematográfica. Como? Enquanto espectadores..Lembrei-me deste bloqueamento figurativo, de uma só vez mediático e simbólico, ao deparar com uma comovente imagem de crianças numa sala de cinema, fotografadas em 1958 por Wayne F. Miller (1918-2013)..Que bom sentir esta alegria e estes risos! Não estamos, de facto, perante aquela visão simplista e, em última instância, demagógica que reduz a infância a uma paisagem pitoresca. Não deparamos, aqui, com o esquematismo emocional que apenas serve para satisfazer o paternalismo com que, não poucas vezes, nós, adultos, nos queremos desresponsabilizar. São "apenas" crianças... E nesse "apenas" pressentimos um universo imenso, vivo, contrastado, genuíno..A agência Magnum tem estado a assinalar o centenário do nascimento de Miller, fotógrafo admirável, algo esquecido, que terá como trabalho mais célebre o portfólio sobre a comunidade afro-americana de Chicago (reunido no livro Chicago's South Side 1946-1948). Nele encontramos retratos de personalidades como Ella Fitzgerald ou Duke Ellington, a par de fotografias de muitos cidadãos anónimos..Registadas para a eternidade há 60 anos, as crianças de Miller não são, por certo, iguais às crianças da segunda década deste nosso século XXI. Mas o que está em jogo não é a possibilidade de uma qualquer generalização que contorne os nossos medos e dúvidas através de uma noção abstrata do que seja "uma" criança - e, em particular, uma criança face a um filme..Importa, por isso, creio eu, lembrar que o modo como vemos as crianças reflete (também) a nossa visão do mundo. Ou seja: as ideias e os ideais que, de forma mais ou menos consciente, nelas projetamos. Lembremos também que a imagem assinada por Miller reflete uma atitude em que o adulto, obviamente presente, soube criar condições para que cada espectador possa viver a singularidade do seu olhar.
Qual a relação das nossas crianças com o cinema? A pergunta suscita, por certo, uma infinidade de respostas, quanto mais não seja porque, para além das também infinitas diferenças individuais, essa relação envolve complexos fatores sociais e culturais. Escusado será dizer que, melhor ou pior, uma criança de uma cidade onde deixou de haver salas de cinema a funcionar regularmente não tem (não pode ter) a mesma relação com o cinema de uma criança que viva em Lisboa ou no Porto....O certo é que, não poucas vezes, as mais fortes imagens públicas das crianças face aos filmes (entenda-se: as imagens do espaço televisivo) reduzem-nas a marionetas compulsivas. Explora-se o pitoresco das crianças que se vestem, por exemplo, imitando as personagens de Harry Potter, mas não se representam essas mesmas crianças na mais primitiva dimensão cinematográfica. Como? Enquanto espectadores..Lembrei-me deste bloqueamento figurativo, de uma só vez mediático e simbólico, ao deparar com uma comovente imagem de crianças numa sala de cinema, fotografadas em 1958 por Wayne F. Miller (1918-2013)..Que bom sentir esta alegria e estes risos! Não estamos, de facto, perante aquela visão simplista e, em última instância, demagógica que reduz a infância a uma paisagem pitoresca. Não deparamos, aqui, com o esquematismo emocional que apenas serve para satisfazer o paternalismo com que, não poucas vezes, nós, adultos, nos queremos desresponsabilizar. São "apenas" crianças... E nesse "apenas" pressentimos um universo imenso, vivo, contrastado, genuíno..A agência Magnum tem estado a assinalar o centenário do nascimento de Miller, fotógrafo admirável, algo esquecido, que terá como trabalho mais célebre o portfólio sobre a comunidade afro-americana de Chicago (reunido no livro Chicago's South Side 1946-1948). Nele encontramos retratos de personalidades como Ella Fitzgerald ou Duke Ellington, a par de fotografias de muitos cidadãos anónimos..Registadas para a eternidade há 60 anos, as crianças de Miller não são, por certo, iguais às crianças da segunda década deste nosso século XXI. Mas o que está em jogo não é a possibilidade de uma qualquer generalização que contorne os nossos medos e dúvidas através de uma noção abstrata do que seja "uma" criança - e, em particular, uma criança face a um filme..Importa, por isso, creio eu, lembrar que o modo como vemos as crianças reflete (também) a nossa visão do mundo. Ou seja: as ideias e os ideais que, de forma mais ou menos consciente, nelas projetamos. Lembremos também que a imagem assinada por Miller reflete uma atitude em que o adulto, obviamente presente, soube criar condições para que cada espectador possa viver a singularidade do seu olhar.