Como os independentes estão a marcar terreno nas eleições autárquicas

Em Portugal há 13 Câmaras presididas por movimentos independentes. A maioria nasce pela mão de desavenças nos partidos.
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Se há concelho deste país onde as próximas eleições autárquicas vão disputar-se a ferro e fogo, bem pode ser Anadia. Há quatro anos saltou para o interesse nacional quando as divergências internas no PSD levaram à criação de um movimento independente (que saiu vencedor) e consequente expulsão de vários membros do partido. E desta vez o eleitorado vai assistir ao insólito: o fundador do MIAP (Movimento Independente Anadia Primeiro), Litério Marques, atual vereador da Câmara, fez as pazes com o PSD e avança contra Teresa Belém Cardoso, a atual presidente, seu braço direito de sempre.

Mas o que mudou, afinal, nos últimos anos, para que um concelho tradicional (e conservador) da região da Bairrada tenha assimilado duas revoluções naquelas autárquicas (uma mulher na liderança e um movimento independente)? "Foi uma dupla conquista", diz ao DN Teresa Cardoso, a engenheira Teresa - como é tratada por todos - a meio de um dia que ainda lhe reserva uma sessão da Assembleia Municipal. De manhã já reuniu com entidades, já assinou despachos, já visitou obras. Já era assim mesmo antes de ser presidente da Câmara, no tempo em que acompanhava Litério Marques, primeiro como técnica da autarquia, mais tarde como vereadora, até chegar a vice-presidente do antecessor. Foi assim, nesse laço de confiança, que apareceu como cabeça de lista do MIAP, perante a limitação da lei que impedia o então presidente de se recandidatar.

Mesmo baralhado, o eleitorado votou maioritariamente no Movimento, derrotando o PSD, a quem sempre fora fiel. Das 10 freguesias, o MIAP conquistou sete. Mas os 6.377 votos, correspondentes a 41% dos votantes, não chegaram para a maioria. A solução encontrada foi uma aliança com o vereador eleito pelo PS, Lino Pintado, que logo na noite das eleições vaticinara algum poder: "o PS teve um resultado muito mau. Mas, a verdade é que nunca mandou tanto em Anadia, como agora", dizia ao Jornal da Bairrada. Mandou apenas o suficiente para permitir a governabilidade, e garantir o regime de vereador a tempo inteiro, ao candidato que se já se apresentara três vezes a eleições.

Teresa Belém Cardoso é apontada até entre os movimentos independentes como um exemplo. Mas a esse sucesso não será alheio o traquejo que amealhou ao longo de 16 anos, com as cores do PSD. No entanto, ao longos deste mandato, sentiu bem a diferença entre ser braço direito ou liderar uma equipa e uma concelho. "Quem está à frente de uma autarquia tem por vezes solicitações difíceis de responder..." desabafa ao DN, enquanto faz o balanço de "três anos muito intensos, de grandes mudanças, ao nível do próprio funcionamento das autarquias, dos órgãos autárquicos; apanhámos a reestruturação das freguesias, localmente vínhamos de 18 anos de discussão da revisão do Plano Diretor Municipal, e conseguimos a aprovação. De ajustamento em ajustamento, e com a aprovação de alguns fundos comunitários, lá se foi conseguindo".

Movimentos ganham expressão

Teresa Cardoso acredita que, passada essa fase, "começamos [os autarcas], a ter condições de trabalhar com outra segurança e projetar de outra forma os nossos concelhos". Fala por si e "pelos colegas que andam nisto há mais anos". E se é verdade que não sente diferenças de tratamento por parte dos homólogos do resto do país "nem por parte do Governo", há no entanto momentos em que sente o desajustamento dos órgãos à realidade: "Por vezes, na hora de assumir funções em determinados órgãos, em que muitas vezes se faz a distribuição por partidos, os movimentos independentes ficam sempre em desvantagem". No terreno, Teresa Cardoso sente o inverso. Parece-lhe que os movimentos independentes vão ganhar terreno nas próximas eleições? "Não sei se vão ganhar, mas pelo menos vão ganhar expressão. Cada vez mais assistimos a movimentos independentes que ganharam as eleições e foram bem sucedidos, na sua gestão autárquica. E há sempre esse termo de comparação e essa motivação. Por outro lado, os que estão descontentes com os partidos à esquerda ou à direita têm aqui uma boa forma de fazer política".

E por isso, feito o balanço positivo, ia a meio do mandato quando anunciou a intenção de se recandidatar. Nessa altura já o ambiente entre ela e o antigo mestre político começava a degradar-se. Em Agosto, numa reportagem alusiva aos antigos autarcas com vontade de regressar, Litério Marques admitia ao DN que havia já "alguma aproximação ao PSD". No início de fevereiro, a comissão política nacional ratificou o nome do professor como candidato. Teresa Cardoso reage sem surpresa: "Eu tinha que enfrentar alguém do outro lado...não me passaria pela cabeça que, dos partidos, ninguém apresentasse listas aos órgãos autárquicos. Mas há quatro anos também não me passaria pela cabeça esta reviravolta. Acompanhei o professor Litério durante mais de 16 anos nas suas funções (desde presidente da junta à Câmara). As pessoas que não aceitaram a nossa candidatura pelo movimento independente, são hoje as mesmas que continuam à frente do partido e que propuseram a nossa expulsão. Jamais me passaria pela cabeça que ele aceitaria um convite por um partido que nos expulsou", conclui.

O trabalho de Teresa Belém Cardoso em Anadia é seguido com entusiasmo pela AMAI (Associação dos Movimentos Autárquicos Independentes), fundada em 2010. O presidente, Aurélio Ferreira, também ele mentor de um movimento independente na Marinha Grande, diz que o país "está cheio de bons exemplos, de como os independentes governam melhor". Muitos dos movimentos extinguem-se depois das eleições, outros conseguem manter-se à tona. É o caso de Vila Nova de Cerveira, onde o presidente da Câmara é um dos 13 eleitos em Portugal, nas últimas autárquicas, através de movimentos independentes. Desses, apenas dois nunca tinham exercido cargos públicos integrados em estruturas partidárias, e cinco acabaram por ser candidatos por conta própria depois de preteridos pelos partidos onde militavam ou que os apoiavam. É o caso de João Fernando Nogueira, ex-militante do PS, que fora vereador durante 19 anos, 15 dos quais como vice-presidente da autarquia. Depois de ter perdido as eleições diretas no partido, avançou para a Câmara em nome do movimento "Pensar Cerveira" e ganhou. Agora, aos 64 anos, volta a entrar na corrida. Ali, no distrito de Viana do Castelo, naquele município com cerca de 9.200 eleitores - que nos últimos anos ganhou espaço mediático enquanto capital do croché - o movimento é suportado por uma associação com o mesmo nome.

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