Como o efeito Uber muda a forma de trabalhar

Trocas diretas de serviços, empregos flexíveis, espaços de coworking. A nova economia está em aplicações para smartphone e em serviços peer-to-peer
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Há duas semanas, um tribunal em Washington negou a revisão de uma decisão do regulador da aviação, FAA, que proibiu uma startup de operar sem as licenças devidas. A empresa em causa, a Flytenow, tem um conceito semelhante à Uber, mas para o espaço aéreo: o utilizador pode requisitar um voo de avião, partilhando os custos com o piloto, que predetermina a rota. Porque é que a FAA e o tribunal ordenaram a suspensão do serviço? Porque os pilotos em causa não têm licença de voo comercial, apenas privado. Seria seguro deixá-los transportar pessoas? Seria justo?

O tribunal disse que não, e nem é o primeiro caso. A AirPooler também foi barrada pela FAA, e pelas mesmas razões. A maioria dos consumidores perceberá as reticências das autoridades nestes casos, mas não no da Uber ou da Lyft - dois serviços que permitem a requisição de "boleias" através de aplicações para smartphones em que os condutores não têm necessariamente licenças de taxista. O curioso é que as estatísticas mostram que é muito mais seguro andar de avião do que de carro.

"O maior argumento dos proponentes da economia de partilha é que estas novas atividades económicas criam empregos e fomentam o crescimento ao facilitarem uma melhor utilização de ativos e competências existentes, um objetivo muito desejado num mundo com dificuldades financeiras", resume Leid Zejnilovic, coordenador de pesquisa na plataforma de partilha gratuita Patient Innovation. "Os benefícios esperados são tantos que o sistema legal poderá fechar os olhos às dificuldades óbvias de nivelação do campo de jogo", acrescenta o responsável, que se doutorou em Mudança Tecnológica e Empreendedorismo no programa Carnegie Mellon Portugal.

Antes da Uber, criada em 2009, já havia exemplos desta "economia de partilha", como o portal de adjudicação de recados TaskRabbit (na altura chamado Run My Errand), mas a empresa de boleias tornou-se a referência do mercado. Toda a gente quer inventar "a Uber" de qualquer coisa, usando o mesmo modelo e com o mesmo sonho de chegar a uma valorização de 51 mil milhões de dólares (cerca de 46,8 mil milhões de euros), que é o que vale a empresa. A Airbnb, outra referência, facilitou o alojamento de 155 milhões de turistas no ano passado, mais 22% do que a cadeia Hilton, e vale já 25,5 mil milhões de dólares, perto de 23,4 mil milhões de euros. Os exemplos continuam a surgir. Estamos no vértice da interceção entre tecnologia e uma nova forma de consumir, trabalhar e fornecer serviços.

Vantagens versus riscos

A economia de partilha abre caminho a formas inovadoras de prestar serviços que até agora estiveram nas mãos de empresas tradicionais, nem sempre com a maior eficiência de custos e qualidade de serviço. Os consumidores conseguem preços atrativos e uma conveniência imbatível, enquanto os fornecedores do serviço conseguem um trabalho flexível que aproveita várias das suas competências. O conceito da economia de partilha não é novo, mas como comenta ao DN Daniel Bessa, diretor-geral da Cotec - Associação Empresarial para a Inovação, "vê-se muitíssimo potenciada pelas novas tecnologias de informação, pondo em contacto e em tempo real pessoas e entidades que noutras condições nunca se encontrariam, muito menos para partilhar o que quer que seja".

O lado perverso é que as empresas que lucram com esta "ligação" escapam às obrigações que pesam sobre o mercado tradicional - as licenças dos taxistas, as taxas hoteleiras - ao mesmo tempo que não têm grandes obrigações para com os trabalhadores flexíveis.

"Empresas como a Uber e a Airbnb redefiniram o "espaço pessoal", diz ao DN o analista de tecnologia Nikhil Krishnan, da consultora CB Insights. O especialista sublinha que uma das maiores mudanças é "a forma como confiamos nos nossos pares, como os profissionais freelancer trabalham, em quem recai a responsabilidade nestes mercados distribuídos e os ativos que possuímos", desde os automóveis ao imobiliário. Para Krishnan, o próximo grande desafio ligado à economia de partilha será o de adaptar a legislação no que toca às obrigações e aos trabalhadores independentes. No caso da aviação tem sido mais simples porque esta é uma atividade muito mais regulada.

O impacto do coworking

Embora esta seja uma das maiores críticas à economia de partilha e aos gurus de Silicon Valley que lucram com ela - há criação de emprego com o aumento de trabalhadores independentes, mas estes estão mais vulneráveis -, nem todos concordam com essa mistura. Os empregos flexíveis e os espaços de coworking, por exemplo, não são sinónimo de precariedade e estão a crescer, diz Carlos Gonçalves, CEO da Avila Business Centers. O responsável revela ao DN que o espaço de coworking da empresa teve uma taxa média de ocupação de 90% em 2015, com um aumento de 26% nos coworkers estrangeiros, e que muitos são "profissionais da nova economia" que procuram um equilíbrio entre a vida laboral e a familiar.

Brie Reynolds, diretor de conteúdos online na plataforma de contratação FlexJobs, distingue as duas coisas. "A economia de partilha é mais baseada em biscates, mas vemos que a maioria dos empregos flexíveis é de longo prazo", explica. "Todos os sinais apontam para um maior crescimento do mercado de trabalhos flexíveis em 2016."

Na Expert Dojo, plataforma que dá acesso a especialistas, tanto o site como o espaço de coworking são gratuitos. A ideia é fomentar a colaboração e a criatividade. "Acho muito difícil ver a economia de partilha como algo negativo", diz ao DN o diretor da empresa, Brian MacMahon. "Pouca gente vai dizer que os serviços da Uber, da Lyft ou da Airbnb são maus. Talvez os governos e os lóbis, mas não os consumidores", defende. "Com elas vêm desafios. Mas isso até é uma coisa boa."

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