Como governar com 30 partidos e 26 estados
"Se Jesus Cristo fosse presidente do Brasil aliava-se até com Judas", disse em 2009 o então presidente Lula da Silva, para justificar acordos com os outrora inimigos Collor de Mello e José Sarney que lhe aumentariam a base de apoio no Congresso. Tudo no país conspira para a ingovernabilidade: e engolir sapos, como Lula engoliu Collor e Sarney, é o menor dos males.
Com quase 30 forças políticas representadas nas duas casas do Congresso Nacional, com a possibilidade dos parlamentares mudarem de partido durante certo período do ano (a fazer lembrar aquela janela de mercado no futebol), com bancadas supra-partidárias como a Bancada do Boi, que trabalha pelos criadores de gado e latifundiários, a Bancada da Bala, composta por ex-militares que pretendem facilitar o uso de armas, ou a Bancada da Bíblia, que obedece à agenda da poderosa igreja evangélica, com alianças entre partidos a nível nacional, que já não o são a nível estadual mas que podem voltar a ser a nível municipal, entender a política de um país como o Brasil já não é fácil. Quanto mais governá-lo.
Em entrevista recente ao DN, Miro Teixeira, o mais antigo deputado brasileiro, eleito 11 vezes por oito partidos diferentes, deu uma pista para se entender como se governa - ou desgoverna - o país. Hoje na oposição (pertence à Rede de Marina Silva), foi ministro no primeiro governo Lula. Contou que "quando Lula foi eleito tinha 90 deputados em 513 do seu lado, então houve uma reunião onde se discutiu como compor uma base para governar". E diz Teixeira com todas as letras: "Eu, o Antonio Palocci [ministro da Fazenda, à época] e outros queríamos compor por projetos, outros acharam que devia ser por orçamentos, foi o caminho mais fácil".
Sem eufemismos: "compor a base por orçamentos" quer dizer comprar deputados. Eis a génese do escândalo do Mensalão, julgado em 2012: deputados e senadores foram pagos, com verbas públicas, para votar a favor do governo no Congresso Nacional.
Compra de apoio parlamentar
Como, na prática, apenas dois partidos têm projetos de governo - o PT de Lula ou Dilma e o PSDB de Fernando Henrique Cardoso ou Aécio Neves - todos os outros são seduzidos para um dos campos pela melhor oferta. Isso é válido tanto para a selva de pequenos partidos com assento parlamentar, como para o gigante PMDB, alinhado com o poder desde a redemocratização, em 1985.
Herdeiro do MDB, partido de oposição ao regime militar, o PMDB é uma confederação de interesses com gente de todos os quadrantes e perfis - as suas três principais lideranças são Eduardo Cunha, anti-governo (porque Dilma não aceitou uma indicação sua para um cargo público), Renan Calheiros, pró-governo (porque o filho governa Alagoas e precisa de apoios federais) e Michel Temer, que, como vice-presidente, tem dias em que é contra e dias em que é a favor da chefe.
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Mas o que é que isto tem a ver com o Petrolão? Tudo, de acordo com Rodrigo Janot, o procurador-geral da República. "Os desvios na Petrobras foram usados para a compra de apoio parlamentar", disse.
Ou seja, são um Mensalão-Parte 2: em resumo, construtoras pagavam a parlamentares para ganhar concursos da petrolífera; esse dinheiro garantia o apoio deles ao governo, além de irrigar as suas campanhas eleitorais e ajudá-los a reelegerem-se. O que sobrasse do dinheiro dessas construtoras podia ainda servir para políticos comprarem casas de campo e praia, como Lula, segundo a Lava-Jato. Ele, que para uns é visto como Jesus Cristo e por outros como Judas, nega.
São Paulo