Como é que os vamos encontrar, se estiverem calados?
Não é fácil lidar com as declarações de André Ventura. Não se trata de falta de adjetivos para as descrever ou qualificar, nem sequer de ausência de repúdio ou desconforto ou descontentamento. Trata-se antes de algo mais complexo, de algo que convoca uma análise política, estratégica e maquiavélica, e que acaba por se resumir a esta questão: qual é a melhor forma de estas declarações, de estas posições, que considero inadmissíveis, serem trucidadas pela História, acabarem irrelevantes, inconsequentes?
É muito fácil responder que a melhor forma de o lograr passa por ignorar, calar, fingir que não se ouviu nada. E talvez seja, talvez seja. Porque há nas suas afirmações um óbvio desejo de obter o nosso eco e a nossa resposta, fazendo-nos parte do jogo. Eu sei disso.
Mas há nesse gesto, nessa opção pelo silêncio, que é defendida e para a qual somos convocados por aqueles que nos pedem para não fazer crescer o seu partido e notoriedade, uma perversidade e um cinismo difíceis de tolerar: como recolher ao silêncio quando alguns dos valores mais essenciais da nossa consciência política são flagrantemente atacados? Se olharmos para trás na História, para todos os processos de surgimento e crescimento de movimentos que atacaram os nossos valores civilizacionais, o que é que gostávamos que os nossos antepassados tivessem feito: calado ou falado? E dito o quê, como?
Não tenho resposta, não tenho mesmo.
Mas não deixo de considerar que o silêncio é também uma outra forma de participar nesse jogo e de agigantar a notoriedade de Ventura. Essa estratégia do silêncio, que parece muito lógica, quase matemática, não tem necessariamente de dar certo.
Quando Ventura ocupa o espaço, e nós nos recolhemos, o que é que fica? O que é que deixamos às pessoas? Onde está o seu porto seguro, o seu contraponto? Deixamos as pessoas à sorte, sem acesso a outras referências com que possam crescer e ver o mundo, sem outra visão da natureza humana? Temos necessariamente de deixar o espaço público condicionado, limitado, desequilibrado?
Não é por isso claro, para mim, que o silêncio seja a estratégia certa.
Preciso de pensar mais nisto, e confesso que desconfio dos que à força sugerem a resposta do silêncio como se fosse algo de evidente quando não o é.
Tendo a achar que o silêncio não é a resposta certa, não pode ser. Mas encontrar o conteúdo da resposta não é fácil, e é uma enorme fragilidade nossa.
Em tempos de fragilidade, quando não sabemos bem o que fazer, habituamo-nos a olhar para os nossos, para os que pensam como nós, para nos ajudar a encontrar uma resposta, solidários.
Como é que os vamos encontrar, se estiverem calados?
Advogado