"Como é possível um tipo como eu ter tantos convites?"

Durante o Festival de Toronto do ano passado, o DN chegou à fala com Dev Patel, desta vez um matemático indiano genial, S. Ramunajan, em <em>O Homem que Viu o Infinito</em>, já nos cinemas.
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De alguma forma esta é a primeira vez que o público o vai ver num papel mais adulto, sem aqueles clichés de rapaz, não é?

Sim, tinha vindo diretamente da rodagem de O Segundo Exótico Hotel Marigold e estava sentir que tinha de mudar. Fiquei muito contente em receber este guião porque nunca me convidam para papéis de época. Foi importante transformar-me neste matemático e vestir aquelas roupas de época... Agarrei esta oportunidade com as duas mãos porque não é fácil depararmo-nos com uma personagem tão complicada. Queria mostrar que também sou capaz de fazer isto. Fazer papéis dramáticos é algo para mim muito natural, por muito que seja fácil para mim aproveitar os meus ossos cómicos. Seja como for, esta foi uma viagem muito boa para mim.

Toda a matemática que vemos no filme não o assusta?

Sim, nem imagina! Ainda ontem fiquei uns 15 minutos a calcular aqui em Toronto a percentagem que tinha de dar de gorjeta... Enfim, vi-me a contar pelos dedos e depois a usar a calculadora do telefone. Curiosamente, o meu pai é todo números, trabalha em contabilidade, ao passo que eu sou terrível. Sou mesmo muito mau a matemática. O papel quadriculado dos cadernos na escola, para mim, era apenas para fazer desenhos... Ainda me lembro do meu professor de Matemática, o Sr. Pain, coitado... Uma vez reuniu os meus pais e disse que eu era um desperdício de espaço. A minha mãe ficou tão envergonhada e, debaixo da mesa, fartou-se de me beliscar!

Muitas das suas personagens são heróis improváveis...

Sim, acabo por ser atraído para as histórias dos underdogs. Sinto que eu próprio personifico essas características. Como é possível um tipo como eu, com esta cor de pele, nesta indústria, ter tantos convites?! Tudo começou quando a minha mãe estava no comboio a caminho do trabalho e viu no jornal o anúncio para o casting da série Skins. Tudo isto é um pouco um milagre. E gosto de que o público veja os meus filmes e se sinta também a triunfar.

Não tem saudades do anonimato?

Se tenho! Mesmo assim não me posso queixar. As pessoas são todas muito simpáticas e positivas para mim. Não me importo quando querem tirar selfies comigo, a sério... O facto de me ter tornado uma celebridade apenas me fez ficar um pouco mais recluso. Garanto-lhe, não é fácil ir ao supermercado. Agora ando com este cabelo muito comprido e ajuda um bocado.

Acredita que este filme pode ajudar a dar maior reconhecimento popular aos feitos matemáticos de S. Ramanujan?

Espero que sim, muita gente nunca tinha ouvido falar dele. Sabe uma coisa? Eu já tinha ouvido falar dele graças ao meu filme preferido, O Bom Rebelde [de Gus van Sant], em que há uma cena em que o Robin Williams e o Stellan Skarsgard estão a falar de um matemático brilhante da Índia - é ele! Para mim, é uma honra ajudar a que se dê maior atenção a alguém que tem a mesma origem que eu. Foi também muito útil conseguir-se filmar isto mesmo na Universidade de Cambridge. Consegui perceber o que Ramanujan terá sentido na primeira vez que lá pôs os pés. Nunca tinha estado em Cambridge, a primeira referência da minha escola era o McDonald"s lá da esquina. Ajudou também estar ao lado de um Jeremy Irons que me tratou com tanto respeito. Mas contracenar com grandes nomes da interpretação inglesa não foi novidade. Não se esqueça de que estive em dois Best Exotic Marigold... Ai aquele elenco! Recentemente terminei as filmagens de Lion, com a Nicole Kidman. Curiosamente, quando conhecemos em pessoa estes grandes nomes surpreendemo-nos perante a graciosidade deles. Tenho-me tornado muito próximo destes atores que admiro. Passamos muito tempo juntos.

Como é que o público indiano olha para si?

Pensam que eu sou a ovelha negra ou o patinho feio da indústria, mas não sei bem.

Mas a indústria indiana não quer trabalhar com o Dev Patel?

Quer! Mas eu represento algo de novo, talvez algo mais ocidental. Recebo muitas propostas e até considero que o cinema indiano está numa fase de crescimento, mas os filmes de Bollywood não são a minha praia, embora os respeite como forma de arte. Quero antes servir de inspiração para os miúdos indianos como eu, que cresceram em Londres ou em Toronto e foram formados com o cinema ocidental. Lembro-me de ter sido influenciado por Dragão Ataca [de Robert Clouse, 1973] e ver alguém "diferente" como Bruce Lee a ser protagonista com toda aquela testosterona! Achei cá uma pinta! Esse filme mexeu comigo. Soube que mais tarde ou mais cedo poderia estar ali...

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