Como conversar com um bolsominion?
O Estadão publicou que o Bolsonaro desviou joias oferecidas pelo príncipe saudita..."
"O Estadão? Fala sério: você quer que eu acredite no Estadão?", interrompe o bolsominion, referindo-se ao mais conservador dos jornais do Brasil, o mesmo que apoiou Aécio Neves e Michel Temer contra Dilma Rousseff em editoriais.
"Li na Folha e n"O Globo que o staff do Bolsonaro fraudou o cartão de vacina para permitir que ele escapasse para outro país se precisasse."
"Não acredito em nada do que diz a "Foice de S. Paulo" ou qualquer veículo ligado à globolixo", responde o bolsominion, a propósito do jornal paulistano que branqueou a ditadura militar brasileira, classificando-a de "ditabranda", e da rede de comunicação que admitiu ter editado um debate entre Collor de Mello e Lula da Silva de forma a facilitar a vitória do primeiro na Presidencial de 1989.
"Ok, mas desta vez quem diz é o New York Times e a Economist e o Financial Times e o El País e o Le Monde..."
"Não acredito em jornalista nenhum do mundo inteiro", rebate o bolsominion, consumidor ávido de "notícias", mas só em forma de meme de rede social onde se jura que a vacina contra a covid causa sida, que as sondagens que davam Lula à frente de Bolsonaro nas eleições eram fabricadas e que a votação final só deu razão a essas sondagens fabricadas porque foi, ela própria, fabricada.
"Saiu um estudo, da Rede Penssan, órgão independente do governo que estuda segurança alimentar, a dizer que 33 milhões de brasileiros não tinham, em 2022, a certeza de conseguir fazer três refeições por dia."
"Independente? Quem está por trás desses estudos são professores universitários e os professores universitários são todos comunistas e as universidades são todas antros de maconha", reage o bolsominion, cujo sonho era ter frequentado uma universidade.
"Entretanto a ONU, que fala em fome stricto sensu e não em insegurança alimentar, aponta para 15 milhões de brasileiros a passar fome."
"A ONU? Quem acredita nesses órgãos globalistas? Além do mais, no Brasil, só passa fome quem quer", contrapõe o bolsominion, enquanto se empanturra de picanha no condomínio vizinho a uma favela onde uma família de oito, cujos pai e mãe são catadores de lixo, divide um casebre sem luz elétrica.
"No Brasil, as prisões têm de deixar de ser faculdades do crime sobrelotadas, com quase um milhão de detidos, quase todos negros, a terceira maior população carcerária do planeta, segundo o Conselho Nacional de Justiça."
"Esses números são falsos e no Brasil prende-se é pouco, tal a quantidade de vagabundos na rua", afirma o bolsominion, na véspera de serem reveladas imagens de dois polícias a carregar para a cadeia um sem-abrigo com as mãos e os pés atados, como se carregavam os escravos, por ter roubado um chocolate.
"Vai começar finalmente a CPI para se saber quem financiou e planeou os ataques de 8 de janeiro em protesto contra a eleição de Lula."
"Quem financiou e planeou? O próprio Lula, óbvio, e os seus infiltrados para incriminar os cidadãos de bem", explica o bolsominion que andou nas ruas a entoar "queremos golpe com Bolsonaro no poder" por meses.
A conversa pode prosseguir, por horas, sobre crise climática, darwinismo, terra redonda ou ida à Lua que não se chega a lado nenhum. O bolsominion pode ser ignorante em tudo, mas na arte da negação é doutor.
Jornalista,
correspondente em São Paulo