Como combater o niilismo

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O princípio segundo o qual onde há uma necessidade nasce um direito foi formulado há muito tempo por Eva Perón na Argentina e, apesar de ter o aroma mussoliniano e corporativista das ditaduras consideradas de direita, foi assumido como próprio pela esquerda, cujo objetivo genuíno é alcançar o paraíso na Terra, ainda que os instrumentos que tem vindo a empregar ao longo da história para o conseguir tenham construído antes um inferno. Agora, com a proximidade das eleições tanto em Portugal como em Espanha, o terreno para exercer a demagogia e incorrer na irresponsabilidade amplia-se enormemente. Dado que os planos de ajustamento levados a cabo na sequência dos resgates começaram a produzir os seus efeitos, que os défices públicos estão sob controlo, a economia cresce e o desemprego diminui, os equilíbrios financeiros e orçamentais já não são necessários. Chegou a hora de compensar os sacrifícios impostos à maioria da população aumentando a despesa pública.

Como? No meu país, por exemplo, a moda do momento é garantir um rendimento mínimo a todos os cidadãos desde o momento do seu nascimento. Ou seja, que as famílias, além do subsídio de desemprego a que têm direito no caso de algum dos seus membros ficar desempregado, desfrutem de um mínimo de rendimento. À custa de outros contribuintes, claro, circunstância crucial que é omitida. Como aqueles que o propõem não têm nada de tolos, asseguram que, primeiro, a ideia não é nova. E, em segundo lugar, que não é alheia ao credo liberal, pois já o nobel Milton Friedman propôs algo parecido há décadas. Mas, claro, a esquerda é tão eficiente e perspicaz com a propaganda como mentirosa. Engana. Friedman e inclusive outro nobel como James Tobin sugeriram pagar uma quantia aos cidadãos que garantisse um rendimento mínimo a todas as famílias, mas em troca de uma contrapartida enorme: a de que se eliminassem todas as transferências oferecidas pelo Estado do bem-estar através de todas as deduções, ajudas e seguros compensatórios diversos. Mas o que os novos líderes da esquerda apresentam é um pagamento adicional àqueles que o governo já redistribui de uns indivíduos para outros. Esta ideia, engendrada já há algum tempo, antes das eleições que estão à vista, mas enfatizada nos tempos que correm à menor oportunidade, tem dois inconvenientes claros. O primeiro é o custo financeiro que acarreta. Em Espanha, por exemplo, calculou-se que poderia atingir os 6500 milhões no melhor dos casos, o que complicaria o nosso caminho para cumprir com os objetivos de estabilidade orçamental acordados com Bruxelas. Mas há outro efeito mais grave e demolidor que tem que ver com o prejuízo que causaria ao sistema de incentivos em que se baseia o comportamento humano. É um efeito pernicioso de ordem moral. Por exemplo, entre os resultados comprovados dos planos de sustento integral das famílias - quer seja nas reservas índias dos Estados Unidos ou nas regiões atrasadas do Sul da Europa - está o desestimular a participação laboral, o desincentivar do impulso para a aquisição de formação profissional ou o de fazer desaparecer a mobilidade entre os trabalhadores a fim de encontrar um emprego.

Não estou a dizer que o Estado tenha de abandonar por completo o seu papel assistencial em casos extremos como o desemprego de longa duração. Uma sociedade concebida a partir de postulados liberais tem de manter como sinal de identidade o apoio aos que demonstraram que não sabem nem podem valer-se por si mesmos. Pelo contrário, sociedades como as que predominam hoje na Europa, concebidas sobre postulados socialistas, incorrem repetidamente no erro de depreciar o resultado das decisões económicas que se adotam, mesmo que seja com a melhor das intenções possíveis. A principal consequência de generalizar indiscriminadamente os subsídios com generosidade, tanto do ponto de vista da quantia como da duração, é a de instalar os cidadãos na chamada armadilha da pobreza. Para quê procurar um emprego pelo qual, no melhor dos casos, vou receber o mesmo que se me mantiver a cargo do Estado? Que interesse terão os jovens menos formados e qualificados, vítimas da recessão imobiliária - por exemplo no meu país -, em melhorar a sua formação profissional se os rendimentos esperados são parecidos com os que têm garantido, sem fazer o menor dos esforços, pelos poderes públicos? O pior de medidas do tipo do rendimento mínimo garantido, como emblema mais genuíno e poderoso da política de assistência pública indiscriminada, é a corrupção moral que pode ocasionar em sociedades como as nossas - e Espanha e Portugal são um bom exemplo - onde a motivação dos cidadãos, e sobretudo dos jovens, para construírem todos os dias o seu futuro à margem da muleta estatal é próxima de zero.

A melhor ajuda às famílias com problemas tem de ser a criação do quadro regulamentar mais favorável para que as empresas ofereçam emprego e os trabalhadores o procurem. Não só porque assim se relançaria o crescimento económico e promoveria melhor a prosperidade, mas também porque seria uma decisão de carácter ético. A experiência demonstra que uma cultura de assistência prolongada e de subsídios garantidos e permanentes propicia um sistema moralmente degradado, no qual os indivíduos não se consideram donos do seu próprio destino nem responsáveis por ele; em que o niilismo faz disparar a aversão ao risco e afoga o esforço necessário para a melhoria pessoal.

O enquistamento do desemprego em certas zonas de Espanha e de Portugal, e entre alguns segmentos da população, está a originar entre aqueles que o sofrem uma espécie de fatalismo que as propostas da esquerda só contribuem, infelizmente, para fortalecer. No entanto, estamos ainda a tempo de o evitar.

Diretor da revista espanhola Actualidad Económica

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