Como a Jane Birkin atirou o ministro para o trotskismo
O ministro dos Assuntos Parlamentares partilha os apelidos com o banqueiro fundador do BPI mas não há qualquer laço de família a uni-los, apesar de ambos serem do Porto,
Augusto, o ministro, é Santos da mãe e Silva do pai, um casal humilde de enfermeiros do Hospital Santo António.
Artur, o banqueiro, pertence a uma família que há quatro gerações tem membros que dão o nome a ruas do Porto: o bisavô foi um dos líderes do 31 de Janeiro, o avô ministro da Educação da I República e o pai um advogado do reviralho que desafiou Delgado a candidatar-se à presidência.
Apesar da ausência de tradições na família, o jovem Augusto forjou precocemente uma sólida consciência política. Em 1970, pediu à mãe que lhe oferecesse a Obra Poética de Fernando Pessoa em papel bíblia como prenda pelo seu 14.º aniversário. Os 70 escudos que custava o livro não foram suficientes para fazer a mãe desistir de lhe fazer a vontade.
Intermináveis tardes de discussões sobre existencialismo na sala de bilhares do Rumo, na Rua N. Sª de Fátima, à Boavista, foram decisivas na sua formação, mas foi a improvável Jane Birkin que atirou Augusto para os braços do trotskismo.
Uma bela tarde foi ver o "Blow Up" ao cinema Estúdio, em Costa Cabral, onde o porteiro era permissivo e deixava menores de 17 anos entrar em fitas classificadas. Ficou com a respiração suspensa quando Jane Birkin e as amigas entraram no quarto do fotógrafo e se começaram a despir. Mas o fotograma seguinte mostrava a cantora de "Je t'aime, moi non plus" a abotoar-se.
Esta censura foi a gota de água que transbordou o copo. Tornou-se anti-fascista. No liceu, no ocaso do marcelismo, a rebeldia juvenil era disputada por duas tribos de maoístas e um pequeno núcleo trotskista. Optou por este. "Se a Birkin me obrigava à acção, o trotskismo descansava-me: a acção bem podia continuar a ser ler uns livros e revistas, agora um bocadinho menos convencionais".
Membro do semiclandestino Comité de Acção Liceal do D. Manuel II, seguiu à risca o programa de formação base - Iniciação à Teoria Económica Marxista, de Ernest Mandel, um ensaio sobre o Estado de Lenine e o Combate Sexual da Juventude de Wilhelm Reich - e deu o seu "supermicrocontributo" (a palavra é dele) ao derrube da ditadura. Uma greve política de solidariedade com a proclamação pelo PAIGC da independência da Guiné e a recusa em participar no concurso Taco a Taco que punha em competição na RTP os melhores alunos dos liceus (o D, Manuel venceu, apesar de alinhar com as reservas por causa do boicote político dos titulares) foram as duas acções mais vistosas em que esteve envolvido, para além da participação em reuniões clandestinas, na encosta da ponte da Arrábida, e em manifestações relâmpago à saída das fábricas onde distribuíam panfletos contra a guerra colonial.
O 25 de Abril apanhou-o como militante clandestino da UOR (União Operária Revolucionária), um grupúsculo trotskista, que posteriormente se viria a integrar na LCI (Liga Comunista Internacionalista), onde começava a despontar a estrela de Louçã. Ele, porém, não chegou a integrar-se.
Se a aproximação ao trotskismo foi cinematográfica, a ruptura foi livresca. Saltou fora depois de ter lido um livro onde se detalhava o papel de Trotsky, como comandante do Exército Vermelho, no esmagamento sangrento dos marinheiros em Cronstdt.
Atravessou o Verão Quente como militante desalinhado da esquerda revolucionária. Na Faculdade de Letras, era ele quem mandava, contratando professores e desenhava os currículos. Cá fora, desenvolvia um trabalho de base, de animação cultural e social nos bairros pobres, de que uma das coroas de glória foi a construção de um infantário em Campanhã.
Começou em 1976, na candidatura presidencial de Otelo a longa marcha que havia de o levar até à entrada para o PS, em 1990. Em 1980, está com Eanes na candidatura presidencial. Em 1985 está com Pintasilgo na primeira volta. Na segunda, junta-se à campanha de Soares integrando um grupo de ex-MES que iria aderir em pacote ao PS. No momento em que o seu passado político o atinge como um "boomerang", depois de ter reagido com críticas a Cunhal aos insultos sofridos em Chaves, Augusto Santos Silva garante que vota no PS desde 79 e que nunca votou no PCP. E confessa que em 1974, quando tinha 18 anos, ele estava do lado errado e Mário Soares é que tinha razão.|