Como a crise ameaça transformar Porto Rico numa ilha fantasma

Numa década, o desemprego e os cortes nos salários levaram 9% dos porto-riquenhos a partir, na maioria para os EUA. Independência ou integração como 51.º estado voltam a debate
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Porto Rico está falido, mas - por lei - não pode declarar falência. No dia 1 evitou à justa o segundo incumprimento, mas as autoridades da ilha continuam sem saber como pagar uma dívida que já vai nos 70 mil milhões de dólares. E após uma década de crise neste território associado dos Estados Unidos, com o desemprego nos 12,5% (mais do dobro dos EUA, onde anda nos 5%), um novo problema está a tornar-se preocupante: o êxodo dos habitantes. Desde 2004, 400 mil pessoas (9% do total dos habitantes) deixaram a ilha, a maior parte para procurar emprego nos EUA, uma vez que desde 1917 têm nacionalidade norte-americana.

"O pior é que as pessoas que se vão embora estão em plena idade laboral", explicou à EFE José Alameda, catedrático de Economia na Universidade de Porto Rico. O resultado é uma espécie de pescadinha de rabo na boca: a crise piora, as empresas deixam a ilha, os jovens saem, há menos gente a consumir e a pagar impostos, os cofres ficam mais vazios, a crise piora e cada vez há mais gente a sair.

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Dias antes do final do ano, o governador da ilha, Alejandro García Padilla, admitia ser impossível pagar na totalidade a dívida de mil milhões que expirava no dia 1. E admitia recorrer a medidas financeiras extraordinárias para realizar alguns dos pagamentos. Padilla voltou na altura a pedir que Porto Rico passe a ter o direito a declarar falência, tal como os estados da América continental. O assunto vai a debate no Congresso nas próximas semanas, mas apesar do apoio do presidente Barack Obama, a maioria republicana nas duas câmaras está relutante em aprovar umas mudanças que estima recompensarem a falta de regras da ilha.

Direito à falência

Segundo a lei federal americana, os estados e territórios não podem declarar falência, mesmo se as cidades [como Detroit, recentemente] ou as empresas de utilidade pública podem. Em Porto Rico, as empresas públicas estão fortemente endividadas, mas não têm o mesmo direito a declarar bancarrota que têm as dos Estados Unidos. "A única coisa que estamos a pedir ao Congresso é que nos dê as ferramentas para resolver esta crise", explicou Padilla que garantiu ainda: "Não queremos um resgate." Mais, com 45% da população da ilha a viver na pobreza, o governador da ilha garantiu que "isto não é retórica política, é matemática: não temos dinheiro para pagar". Já em fevereiro, Porto Rico tem mais 400 milhões para pagar, mas o problema maior pode surgir em julho, quando expira uma dívida de 1900 milhões.

Muitas vezes apelidada de "Grécia das Caraíbas", pela semelhança entre a sua situação e a daquele país europeu, Porto Rico beneficiou durante décadas de leis federais americanas que garantiam incentivos fiscais para as empresas que lá se instalassem. Mas em 1996 o Congresso decidiu acabar de forma gradual com os incentivos. E quando terminaram de vez, em 2006, Porto Rico entrou numa recessão agravada depois pela crise financeira mundial. Agora a dívida de 72 mil milhões de dólares é em parte detida pelo governo, em parte pelas empresas públicas porto--riquenhas.

Colónia espanhola até à invasão americana de 1898 (ano em que Espanha cedeu também aos EUA as Filipinas e Guam. E Cuba foi ocupada), nos últimos anos Porto Rico foi vítima dos investidores, sobretudo americanos, que, aproveitando que a ilha e suas entidades públicas estão proibidas por lei de entrar em default, continuaram a comprar obrigações sem se preocuparem com a situação financeira do território. Sem poder declarar falência, não restou ao governo de Padilla outra opção a não ser impor mais austeridade e cortar na despesa, o que levou mais pessoas a sair da ilha e a crise a agravar-se.

Independência ou estado?

Na terra natal de Ricky Martin ou Benicio Del Toro, sempre que uma crise surge volta a velha discussão sobre o estatuto da ilha descoberta por Cristóvão Colombo em 1493. Independência ou integração completa - tornando-se o 51.º estado dos EUA - voltam agora a estar em cima da mesa. Apesar de a retórica independentista ter ganho força nos últimos anos, nos referendos sobre o estatuto da ilha realizados em 1967, 1993, 1998 e 2012, a separação dos EUA nunca obteve mais de 5,5%. Uma falta de apoio que não se pode atribuir só à formulação extensa e complexa das três opções: incorporação como 51.º estado, independência ou manutenção do estatuto de "estado livre associado". Este último acabou por vencer, mas alguns aspetos continuam polémicos, como o facto de os porto-riquenhos votarem nas primárias (este ano serão em março no caso dos republicanos, em junho no dos democratas) para nomear um candidato à Casa Branca, mas não nas presidenciais de novembro.

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