Comissão de inquérito à CGD quer forçar entrega de documentos
Pela primeira vez, nos últimos anos, uma comissão parlamentar de inquérito vai avançar com um pedido a um tribunal, para que este obrigue entidades a fornecer informação. Isto mesmo deverá ser votado na próxima semana numa reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Caixa Geral de Depósitos. O tema foi abordado, ontem, numa reunião e merece o apoio de PSD, CDS, PCP e Bloco de Esquerda. Apenas o PS não se compromete com uma decisão.
Desde o início dos trabalhos da CPI - que investiga a recapitalização da Caixa, assim como a gestão do banco público - os deputados têm sido sistematicamente confrontados com "negas" quanto a remessa de documentos, sobretudo da própria CGD e do Banco de Portugal. Isto mesmo foi sublinhado pelo presidente da CPI, o deputado social-democrata José Matos Correia, numa carta ao Banco de Portugal, a 8 de setembro. Perante mais uma recusa, José Matos Correia lembrou ao governador Carlos Costa que a CPI se "encontra legalmente investida de poderes similares aos das autoridades judiciais e que o acesso à documentação é absolutamente indispensável à prossecução dos seus objetivos".
Na resposta - a 22 de setembro - Carlos Costa afirmou que só uma decisão judicial poderia "desobrigar" o supervisor ao dever de segredo profissional a que está obrigado, sendo que o BdP também estava a aguardar um "parecer" do Banco Central Europeu quanto à remessão ou não dos documentos sobre a CGD pretendidos pela Assembleia da República. Ainda assim, o BdP disponibilizou-se para o "agendamento de uma reunião de cariz técnico-jurídico" com os "serviços de assessoria" da comissão para analisar "em conjunto" o "enquadramento normativo e procedimental que deve reger o acesso à documentação".
"Não há outra forma de encarar a questão, que não seja pedir ao Tribunal da Relação de Lisboa o levantamento do sigilo para que os documentos sejam entregues à comissão", declarou ontem ao DN Hugo Soares, deputado do PSD. Na mesma linha, João Almeida do CDS defendeu que a comissão deveria avançar com o pedido mas, sublinhou, "fazer um levantamento das respostas que as mesmas entidades que agora recusam dar informação deram a outras comissões de inquérito".
É que, segundo fonte parlamentar, pode estar em causa o seguinte problema: a CGD é um banco em atividade e, por isso, o regime de sigilo poderá ser mais apertado. "Noutras ocasiões, como na primeira comissão de inquérito ao BPN e mais tarde ao BCP, também eram dois bancos em atividade e a informação foi prestada", acrescentou João Almeida.
Por sua vez, Miguel Tiago do PCP disse que "havendo necessidade", o partido votará favoravelmente o pedido de quebra do sigilo. "A questão é se esta comissão de inquérito, com todos os desenvolvimentos que têm surgido, ainda faz sentido?", questionou o deputado, considerando que, atualmente, o banco público precisa de "estabilidade". "Mas se é para manter a comissão de inquérito em funcionamento, os documentos são importantes para o seu trabalho", frisou Miguel Tiago.
Fonte do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda disse ao DN que o partido também votará favoravelmente o pedido ao Tribunal da Relação. "Foi uma ideia discutida na reunião da mesa e coordenadores da comissão e foi relativamente consensual", disse a mesma fonte. "Relativamente" porque o PS aparenta alguma indecisão quanto à matéria, comparativamente com os outros partidos. Ao DN, o coordenador dos deputados na CPI, João Paulo Correia, remeteu para a próxima sexta-feira, dia da reunião que irá debater e votar a proposta, a posição dos socialistas.
Além deste problema, a CPI está confrontada com um segundo tipo de segredo: o segredo de justiça. Numa seca resposta ao parlamento, a Procuradoria-geral da República informou que tem em curso um inquérito crime relacionado com a CGD. Ora, perante a insuficiência de informação, os deputados do PSD já anunciaram que pretendem saber se a ação do Ministério Público colide com a do Parlamento. E isto porque muitos dos depoentes na CPI poderão invocar - como tem acontecido noutras comissões - estarem vinculados ao segredo de justiça, uma vez que prestaram declarações no processo crime.
Ou, por outro lado, haver recusa de prestação de depoimento no Parlamento, uma vez que o mesmo, estando em curso uma investigação judicial, poderia levar a uma "auto-incriminação". Há ainda um terceiro fator a "atrapalhar" os trabalhos da CPI: a discussão do Orçamento do Estado, que deverá ocorrer na primeira quinzena de outubro, que obrigará a que as comissões parlamentares, incluindo as de inquérito, a suspender temporariamente os trabalhos.