Comer ou não comer animais, eis a questão

Para muitos <em>influencers</em>, o veganismo foi uma moda que lhes bateu com força, durou algum tempo e garantiu-lhes fama e dinheiro. Mas mudaram de ideias e recomeçaram a comer carne. Resultado: perderam fãs.
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Se a youtuber Yovana Mendoza comesse três palmiers recheados e um pão de alho, nunca teria sido tão vaiada como quando os três milhões de seguidores a viram comer peixe numas férias em Bali, em março deste ano. "Deixei de te seguir. Desiludida. Enojada. Estás cancelada na comunidade vegan", clamavam uns, ofendidos com ela pelo filete no prato e por tapá-lo com os braços ao ver que estava a ser filmada pela amiga colombiana Paula Galindo, influencer de beleza. "De todos os falsos vegan que se revelaram neste ano, foste tu aquela que me partiu o coração", disparavam outros, afiados como facas.

Tudo porque a febre de cliques no YouTube induz a práticas extremas, com consequências imprevistas para a saúde, lamenta a socióloga turca Zeynep Tufekci, num artigo que escreveu para o The New York Times sobre o impacto das tecnologias emergentes nos comportamentos: "Vídeos de vegetarianismo levam a vídeos de veganismo, tal como vídeos de corrida levam a outros sobre correr ultramaratonas. Parece que nunca se é rígido o suficiente para os algoritmos de recomendação do YouTube", diz.

No caso de Yovana, a jovem bem disse que foi o médico que a mandou comer peixe por sofrer de anemia, desajuste hormonal, falta de menstruação, problemas de tiroide, fungos vaginais e síndrome de Sibo, causada por excesso de bactérias no intestino delgado: ninguém a poupou à crítica de ser uma embusteira por estar a enriquecer às custas de um regime que já não segue. Antes dela, a 15 de fevereiro, também o youtuber e antigo campeão mundial de free running Tim Shieff, fundador da marca de roupa vegana ETHCS, anunciara que tinha comido dois ovos crus e salmão selvagem após uma dieta de 35 dias só a água.

"Não conseguia fazer duas flexões sem me magoar", justificou o ex-vegano, falando da depressão, problemas digestivos, cansaço. Quando tudo o mais falhou (Shieff chegou a beber a própria urina), nem forças tinha para recusar a proteína animal. "Vemos aqueles vídeos sobre produtos animais e os seus perigos, mas a mim fizeram-me sentir melhor", admitiu o desportista americano, que teve a primeira ejaculação em dez meses graças a este reforço.

Mais tarde, ao retornar ao veganismo e descobrir que estava de novo a adoecer, informou os mais de 260 mil subscritores do YouTube e do Instagram que decidia, em consciência, "voltar a ingerir produtos de origem animal". A ele juntavam-se as youtubers Bonny Rebecca (devido a problemas de pele e intestinos agravados pela dieta), Raw Alignment (relançada como Alyse Par-ker desde que deixou de ser vegana) e Stella Rae (vencida por um desejo incontrolável de comer salmão que se sobrepôs à filosofia de não consumir nada - absolutamente nada - proveniente dos animais).

Por cá, a youtubervegan Bárbara Cardoso não se espanta com esta vaga de renúncias: "Todos eles encaravam a forma de se alimentarem de modo obsessivo e seguiam regimes extremamente restritivos - jejuns de mais de 20 dias, dieta frutívora, apenas comida crua, sem gordura ou hidratos de carbono", enumera a influencer, formada em Artes Visuais. Não tem ideia de ter havido casos idênticos em Portugal, até porque a comunidade é demasiado pequena. Em todo o caso, ser vegano não é isso de ser extremo em que muitos acreditam: "Dietas estritas de qualquer tipo, abruptas, que não dão ao corpo tempo de se adaptar física e psicologicamente, têm tudo para correr mal", afirma a it girl.

Sobretudo por ser impossível manter um regime cheio de privações por longos períodos de tempo, qualquer que ele seja, confirma a nutricionista Rita Rocha de Macedo, autora de A Dieta Prática (da Planeta). "Devemos abrir as refeições principais com sopa e incluir fruta, hortícolas, leguminosas, carnes brancas, peixes ricos em ómega 3, ovos e laticínios magros." Privilegiar gorduras mono e polinsaturadas, oleaginosas ao natural, azeite em vez de manteiga e óleo, ensina ainda a especialista, adepta do padrão alimentar mediterrânico. Não é à toa que o prato ideal ditado pela Escola de Saúde Pública de Harvard é metade legumes e frutos, ¼ de cereais integrais (entre trigo, cevada, quinoa, aveia, arroz e massa integrais) e ¼ de proteínas saudáveis (peixe, frango, feijão, nozes).

"Desengane-se quem acha que ser vegano é forçosamente mais saudável", ressalva a youtuber Bárbara Cardoso, pouco dada a extremismos. "Eu posso ser vegan e passar a vida a batatas fritas e comida processada, da mesma forma que alguém que coma um quilo de carne por dia só com arroz ou massa irá ter problemas", diz. Carências de vitamina B12, ferro ou ómega 3 afetam quem quer que menospreze uma alimentação equilibrada. "Por outro lado, sempre sofri de tonturas, quebras de tensão, desmaios e rinite alérgica severa, e desde que sou vegan deixou de acontecer", conta.

Também Carina Barbosa, autora do blogue Veggitable e do livro Cozinha 100% Vegetal e Saudável (ed. Nascente), conhece os benefícios de não cair em exageros de pouca dura só por ser fixe, sem uma real noção do que está por trás: "Há uns anos houve uma grande vaga de veganismo e muitos youtubers aderiram à moda levando-o como uma dieta, quando na verdade é um estilo de vida que faz por eliminar ao máximo tudo o que seja de origem animal", explica a engenheira informática, que em 2013 aderiu à causa e se tornou terapeuta holística. "A saúde, aqui, é "apenas" um bónus muito bom neste estilo de vida que ama e protege os animais de serem explorados na alimentação, produtos, vestuário ou testes", reforça.

E sim, pode ser para todos, desde que a pessoa tome consciência de como fazer a transição e mantenha o tal equilíbrio alimentar, sem reduzir a questão ao extremo de retirar os ingredientes de origem animal e comer os acompanhamentos. "No caso dos youtubers que desistiram, estavam a seguir planos nutricionais muito restritos e com dietas pouco fundamentadas, um dos grandes problemas nas redes sociais", sustenta Carina Barbosa, que no que lhe diz respeito nunca se sentiu com falta de energia por não consumir proteína animal.

Mais ainda do que evitar o cansaço: uma nutrição fresca, variada e ao ritmo das estações ajuda a prevenir algumas doenças (cardiovasculares, diabetes, obesidade) e a controlar/aliviar os sintomas de outras, sublinha a health coach Maria de Oliveira Dias, vegana há mais de uma década. "Ganhamos clareza mental, concentração. O corpo equilibra-se e encontra o peso perfeito", acrescenta a mentora do blogue The Love Food e do livro Cozinha Vegana (Editora Corvus). Já para não falar que delícias vegetais com as cores da natureza não são propriamente o mesmo que ficar a pão e água.

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