Combate ao terrorismo. Nova estratégia com radicalização ideológica na mira
"Garantir uma resposta adequada aos constantes desafios da ameaça terrorista que emergem de uma nova realidade de risco para a segurança dos cidadãos e da democracia" levou a atualização da Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo (ENCT), publicada em Diário da República nesta quarta-feira.
As preocupações das autoridades já vão para além do chamado terrorismo convencional e têm também na mira outros extremismos e fenómenos mais recentes que levaram à revisão do documento - em vigor desde 2015- coordenada pelo secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, Paulo Vizeu Pinheiro.
Sem esquecer a ameaça que persiste do "terrorismo islamita" e dos ex-combatentes do estado islâmico regressados à Europa, as autoridades notam que se tem "verificado um crescente sincretismo entre ideários extremistas violentos politicamente motivados e movimentos conspirativos, com ramificações internacionais, de índole variada, o qual tem contribuído para um aumento do risco de aceleração de processos de radicalização para a violência, sobretudo individuais, mas também coletivos", é escrito na nova ENCT.
"Ainda que, atualmente, a sua expressão seja reduzida em Portugal, persiste o risco de que a ameaça terrorista representada por estes fenómenos sofra um agravamento significativo, em consequência da exposição acentuada à propaganda extremista, a teorias da conspiração e aos conteúdos desinformativos que proliferam online por um lado, e da intensificação dos contactos internacionais entre extremistas, por outro", completa
Fonte autorizada do SSI que acompanhou o processo assinala que "o objetivo geral é neutralizar a ameaça que o terrorismo e os extremismos violentos representam para os cidadãos e os interesses nacionais, reduzindo as vulnerabilidades, através da implementação e do reforço de mecanismos de prevenção e de combate ao fenómeno em todas as suas vertentes e manifestações, cujas motivações podem ser de natureza política, filosófica, ideológica, racial, étnica, religiosa ou outra.
Incluem-se na ameaça as contemporâneas franjas "aceleracionistas", "conspiracionistas" e antissistema de inspiração extremista de direita e setores radicais de extrema-esquerda próximos do anarquismo insurrecional, muitas vezes motivados por causas ambientalistas".
O mesmo interlocutor salienta ainda que "a adaptabilidade da Estratégia agora aprovada justifica-se também pelo facto de a ameaça terrorista ser hoje mais complexa e difusa, potenciada pela internet e pelas redes sociais que permitem a aproximação de determinados indivíduos a ideologias e comunidades radicais de forma muito mais fácil, sendo de sublinhar os denominados "lobos solitários"". Recorda que a prevenção de atentados como os que ocorreram em 2011 na Noruega, ou em 2019 na Nova Zelândia, "está no âmago deste novo instrumento".
É ainda revelado, no texto publicado, que estão aprovados pela UCAT quatro planos de ação que já estavam previstos desde 2015: o de "Prevenção da Radicalização e dos Extremismos Violentos e do Recrutamento para o Terrorismo"; o "para a Proteção e Segurança das Infraestruturas Críticas"; o da "Comunicação"; e o da "Prevenção e Resposta a Incidentes de Segurança Químicos, Biológicos, Radiológicos e Nucleares (QBRN)".
Analistas ouvidos pelo DN consideram este passo, de uma forma geral, positivo. Diogo Noivo, por exemplo, investigador nesta área e Autor de vários trabalhos sobre terrorismo, entre os quais "Uma História da ETA", destaca que "estamos mais em linha com a Europa e com os nossos únicos vizinhos, Espanha. Acabámos com a inovação do 5º Pilar que, passados estes anos, se provou irrelevante". Aos quatro eixos da UE - Prevenir, Proteger, Perseguir e Responder - Portugal tinha acrescentado "Detetar.
Este perito assinala também "a importância dada à comunicação" (foi aprovado um Plano de Ação para a Comunicação), pelas razões que tinha explicado no podcast Soberania (episódio 6), em que defendeu que haja mais transparência e informação factual na comunicação das autoridades sobre estas matérias, para evitar "especulação" e sentimento de insegurança na opinião pública.
Numa primeira leitura, ficou uma dúvida a Diogo Noivo: "a inclusão dos extremismos nesta estratégia. Misturar as coisas não sei se será positivo. Desde logo se não se especificar o que são extremismos violentos (os outros não podem nem devem ser ilegalizados)".
Por seu lado, André Inácio, do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) aponta o facto de esta ENCT acompanhar "as principais preocupações internacionais face a um clima de exaltação, em que grupos radicais, movidos por motivos distintos mas todos de cariz violento impõem uma prevenção ativa e uma reação adequada, naturalmente nos limites da proporcionalidade e no respeito pelos Direitos Fundamentais".
Este perito em segurança e terrorismo, que foi inspetor da PJ, considera relevante que se tenha deixado de "de colocar o foco no fenómeno migratório - como fazia a anterior Estratégia - e integrar no seu âmbito o fenómeno dos extremismos violentos, fruto das manifestações mais ou menos organizadas, um pouco por toda a Europa, de grupos radicais ideológicos, bem como da disseminação (com eles relacionada) de propaganda e movimentos conspirativos".
Sublinha ainda o enfoque dado à "prevenção da radicalização, com especial referência ao ciberespaço e às redes sociais como pilares centrais dessa angariação de efetivos criminógenos junto de descontentes, descontextualizados e alienados".
Cátia Moreira de Carvalho, investigadora na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto nas áreas do extremismo e processos de radicalização, saúda a "atualização desta ENCT, que já devia ter acontecido há muito tempo", mas não entende porque "a saúde mental não aparece no pilar da prevenção, já que a literatura mostra que os atores isolados que cometem ataques extremistas têm até 13,4 vezes mais probabilidade de apresentar um problema de saúde mental".
A investigadora lembra que "estes atores isolados normalmente não são filtrados pelos serviços e forças de segurança porque não estão associados a organizações extremistas, o que coloca um problema grande de deteção destas pessoas e torna a prática de extremismo ainda mais imprevisível".
Outro aspeto que também lhe chamou a atenção "é o envolvimento das organizações da sociedade civil, que é coisa rara em Portugal".
Porém, "falta o envolvimento da academia na produção de conhecimento empírico que valide, fundamente e sustente os pilares de ação, nomeadamente a prevenção e a reintegração".
" Portugal ainda tem um caminho grande e longo a percorrer nesta área. Este é um passo importante, mas agora falta perceber como tudo isto vai ser concretizado", conclui.