Criou-se um mito urbano sobre a participação de Portugal no Campeonato da Europa de futebol de 1984, em França: Portugal foi à meia-final, é certo, mas ganhou apenas um dos quatro jogos que disputou (1-0 à Roménia, golo de Nené) porque empatou os dois primeiros (0-0 com Alemanha, 1-1 com Espanha) e perdeu com a França no prolongamento (3-2) num dos jogos que ainda hoje figuram na história, mas não fomos à final, em que esteve a Espanha (perdeu 2-0).
O que não foi mito foi a história de haver quatro selecionadores (Fernando Cabrita, António Morais, Toni e José Augusto), o que impediu uma liderança reconhecida. "E isso fez toda a diferença. Com um bom treinador tínhamos podido chegar mais longe." Quem o diz é Jaime Pacheco, um dos jogadores dessa participação. "Só tínhamos ido a uma fase final, no Mundial"66. Mas tínhamos uma grande equipa e o FC Porto vinha da final da Taça das Taças com as Juventus, que perdeu 2-1, e o Benfica um ano antes também tinha jogado uma final europeia, com o Eriksson, perdendo com o Anderlecht. Ou seja, tínhamos uma base de grande categoria, a defesa do FC Porto, o meio-campo também, o ataque com o Chalana e o Jordão e na baliza o Bento, o melhor guarda-redes com quem joguei. Mas faltou-nos quem mandasse naquilo. O Cabrita era o que víamos como principal, o Toni e o António Morais estavam lá pelo Benfica e pelo Porto e foram sempre justos, mas o José Augusto nem tanto e acho que tentou influenciar para os jogadores do Benfica." Recorde-se que originalmente o selecionador era Otto Glória, mas saiu a três jornadas do fim e quando poucos acreditavam na qualificação, ficando os adjuntos à frente da equipa. E no Euro assim continuou.
Chego atrasado ao almoço no Chalandra, em Matosinhos, a sala de jantar do Porto. Jaime Pacheco frequentou o espaço noutros tempos e volta agora, com nova gerência, que tomou conta do espaço há poucos meses. O convidado chegou antes, ele que neste momento está a tratar do futuro, que deve passar por voltar a treinar na China, nova terra prometida do futebol. Por cá a coisa não está fácil para o treinador que levou o Boavista ao título em 2001 (era Fernando Santos, atual selecionador, treinador do FC Porto, que ficou em segundo).
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"Em França tínhamos uma grande equipa - o Oliveira, o melhor jogador com que joguei, ao nível do Platini, não foi, nem o Manel Fernandes - mas o ambiente era difícil. Havia muita rivalidade Porto-Benfica, havia jogadores que eram assobiados nos treinos na Luz, como aconteceu ao Gomes, e por isso as coisas não eram fáceis. Havia jornalistas que se metiam nisso, que eram mais adeptos do que outra coisa e escreviam, acho eu, o que dava jeito sobretudo aos jogadores do Benfica, porque os jornalistas eram mais de lá. Mas quando começava o jogo isso acabava tudo, a equipa, todos os jogadores, foram inexcedíveis e não houve problemas nenhuns entre nós dentro do campo", diz.
Pacheco era titular - "num jogo não entrei, para jogar o Carlos Manuel..." - num meio-campo com Sousa e Frasco, seus colegas no FC Porto, e recorda-se particularmente do jogo com a França, a famosa meia-final de Marselha. "No primeiro golo, de livre, estávamos à espera que fosse o Platini a marcar e foi o Domergue e lixou-nos. Depois o Jordão empatou e no prolongamento fizemos o 2-1, outra vez o Jordão, e pensámos que podíamos ganhar. Mas depois eles vieram para cima de nós e a cinco minutos do fim empataram, uma jogada cheia de ressaltos, outra vez o Domergue. E depois houve num ataque, o Chalana quis dar ao Jordão mas o defesa deles cortou, [Battiston] houve contra-ataque, o Álvaro tinha ido à frente, não estava, o João Pinto ainda veio do outro lado tentar fechar mas não conseguiu impedir o cruzamento do Tigana e foi golo do Platini, ali no meio. Nós não sentíamos muita pressão, jogávamos às cartas. O nosso problema era que a federação trabalhava mal e nós não sabíamos o que íamos ganhar, tínhamos uma diária e não sabíamos mais nada. Saltillo e toda a contestação que houve no México, no Mundial dois anos depois, tudo isso nasceu ali. Aquilo não era maneira. Mas mesmo no México em 1986, se o Bento não se tem lesionado - e foi num treino, num cruzamento meu -, tínhamos conseguido a qualificação. Nós queríamos era que houvesse dignidade e que nos pagassem como devia ser."
O rodovalho já era, o Montes Ermos também seguia a bom ritmo, Jaime Pacheco não quis sobremesa (mantém uma linha impressionante quase aos 58 anos), mas eu sou guloso e fui numa tarte de lima. Nada má por sinal.
Sobre a seleção agora no Euro 2016 diz que tudo pode acontecer, porque há jogadores de muita qualidade. "Mas às vezes é preciso sensibilidade. Dou um exemplo: nós tínhamos o Lima Pereira e o Eurico, e este era melhor, mais considerado, mais elegante. Mas nós queríamos o Lima lá atrás, porque tínhamos confiança nele. Não passava nada com ele, não inventava, era trigo limpo." Para explicar que às vezes os treinadores têm opções que não são bem compreendidas mas que são percebidas por quem anda lá dentro. Pedroto é a sua referência como treinador ("até do João Pinto fez um grande defesa direito", diz meio a rir--se...) e relembra como se recorda de ele chamar a atenção de Fernando Gomes nos treinos: "O bibota tinha a mania de vir buscar a bola ao meio-campo. O sr. Pedro apitava, piu "Olha lá, vens ao meio-campo fazer o quê?". E o Gomes gostava de responder. "Eu era para..." "Era mas era para nada. Tu achas que tens lugar no meio-campo? Não tens, não sabes para isso. Vai mais é para lá para a frente e marca golos senão vais para o banco...""
O Euro"84 atrai os olhares dos grandes clubes europeus sobre os talentos portugueses. Chalana vai para Bordéus, Gomes (que já tinha estado no Gijón) e Pacheco estão perto de ir para o Verona. "Tivemos várias reuniões com o presidente, gostava muito de mim, chamava-me "paqueco, paqueco", até houve uma em que estava o empresário Luciano d"Onofrio, o antigo jogador Filipovic, eu e o Gomes e eu vim embora, disse ao Gomes "as condições são estas, se eles aceitarem eu vou". Estava farto daquilo. O Verono acabou por ser campeão nesse ano, com o dinamarquês Elkjaer Larsen e o Briegel, e eu até dizia que se tivesse ido para lá com o Gomes se calhar tínhamos descido de divisão." Acabou por não se fazer nada, apesar de a Roma também ter estado interessada ("o Toni é testemunha") e Jaime Pacheco acabou por rumar ao Sporting. "Foi o Jordão que me perguntou se eu queria ir. Tinha mais um ano de contrato com o Porto, ganhava 175 contos por mês (menos de mil euros/mês...) e o Sporting oferecia-me 700. O Porto queria que eu ficasse por 400 e eu disse que não. Andei a negociar com o sr. Luís César, com o Álvaro Braga, com o Teles Roxo. Um dia, já no fim, eu já tinha decidido, ou quase, e estávamos todos e eles pediram então para irmos a casa do presidente dizer-lhe. "Vamos lá, disse eu."" A casa de Pinto da Costa era ali perto, nas Antas, foram, Jaime conta: "Fomos lá e eu disse: estou aqui para lhe dizer que vou embora. É estranho, mas estivemos lá algum tempo e o presidente não abriu a boca. Acho que se me tivesse dito para ficar no Porto, eu ficava. Não disse. Tenho aliás uma mágoa: joguei no Porto oito anos, fui campeão e campeão europeu, mas nunca tive uma conversa verdadeira com o presidente. Nunca. Não sei porquê, mas nunca tive."
Jaime Pacheco não gostava do FC Porto, mas hoje gosta. "Sou sócio desde 1989, desde o dia em que saí. Sou portista, mesmo!" Saiu em 1984, voltou dois anos depois a ganhar mil contos por mês, em 1986, a tempo de integrar a equipa campeã europeia em Viena. "Não joguei, estava ainda lesionado, como o Lima, o Eurico e o Gomes. Ainda fui mas fiquei na bancada. O Artur Jorge falou comigo e disse-me que para ir para o banco não era bom, um jogador como eu, e eu concordei com ele. E nunca fui calimero para me queixar, nem no Porto nem na seleção, sempre respeitei o treinador."