"Com Trump todos sabem que os EUA não têm medo de usar a força"

Em Lisboa para participar no Legislator's Dialogue organizado pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), o lusodescendente Devin Nunes admitiu que a reforma da saúde foi o maior falhanço dos primeiros cem dias de Trump .
Publicado a
Atualizado a

Segundo o republicano que preside à Comissão dos Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, o maior sucesso do novo inquilino da Casa Branca foi pôr a política externa dos EUA de novo no mapa, como explicou numa breve conversa com o DN.

Em dezembro - numa outra entrevista ao DN - disse que Trump é uma pessoa muito curiosa, que aprende depressa. Agora que passaram cem dias da sua presidência, que balanço faz?

A maior preocupação que tenho é que o Congresso, nós, não conseguimos passar a reforma da saúde. Foi culpa nossa. Agora parece que pode haver um acordo. Mas sem reforma da saúde vai ser difícil fazer a reforma fiscal. São dois assuntos que temos na agenda, por serem tão importantes para a nossa economia.

[artigo:5530019]

Foi o maior falhanço da presidência Trump até agora?

Sem dúvida.

E o maior sucesso?

Voltámos a colocar a nossa política externa no mapa. As pessoas sabem que não temos medo de usar a força militar se for necessário. Especialmente em casos ligados ao uso de armas químicas, o que foi um problema na última administração. Parte do problema é que o ISIS, a Al-Qaeda, a guerra civil na Síria continuaram a prosperar devido à nossa falta de vontade para usar os nossos meios.

Está a regressar do Médio Oriente e esteve com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, falaram da cooperação na guerra contra o ISIS?

Falámos. Mas falámos sobretudo de África. Nós sabemos que Portugal tem muita influência nessa região. E sabemos que não vamos resolver o problema jihadista global sem resolver todos os problemas de uma vez. África tem de fazer parte desse plano. Estou totalmente de acordo com o vosso Presidente neste assunto, no que diz respeito aos problemas em África, do Mali às milícias Al-Shabbab no Leste. É uma área em que claramente podemos cooperar.

E quanto a uma cooperação mais profunda entre os EUA e a Rússia na luta contra o ISIS?

[Ri-se] Sonhamos sempre com isso. Mas como já fui avisado por muitos dos meus colegas e por antigos presidentes com quem trabalhei, provavelmente não vai ser possível.

Teve de se afastar da investigação à alegada ingerência russa nas presidenciais americanas. Foi a decisão certa?

Ainda há muito trabalho que tem de ser feito e já estávamos na fase 2 da nossa investigação, já tínhamos dois procuradores do nosso lado a trabalhar nisso. Mas a política está tão maldosa neste momento nos EUA, tão dividida, que foi a melhor coisa a fazer. Mas olhe, isso não quer dizer que eu vá deixar de me preocupar. Fui das pessoas que se preocuparam mais com a Rússia durante muitos, muitos anos. Tudo isto foi um certo histerismo... Que o único tipo que durante as últimas administrações foi um dos mais críticos no Congresso com a Rússia agora se encontre nesta situação de algum modo precária. Mas é a natureza da política, dos media, daquilo com que temos de lidar. E eu aceitei fazer isto, ninguém me forçou a fazê-lo.

Hoje todos estão preocupados com um eventual conflito na Coreia do Norte. Há um perigo real ou é um exagero?

É um regime que se tem tornado cada vez mais fanático. E de cada vez que lançam um míssil ou detonam uma arma, tornam-se melhores. Algo está errado na cabeça de alguém que usa armas antiaéreas para matar os inimigos no solo. Algo não está bem na cabeça deste regime, deste líder e do pai antes dele. Parece estar a ficar pior: mais fanático e com tecnologia cada vez melhor, que se for usada pode matar milhões de pessoas.

O que aconteceu com o envio de um porta-aviões para a Coreia do Norte que afinal não se dirigia para lá?

Bem, uma das melhores coisas que o presidente fez - disse isso na campanha e até depois - é que não devia falar do que vai ou não fazer em termos militares. E acho que ele devia manter essa posição. Seria muito sensato da parte dele. O que aconteceu foi que ele queria fazer isso, anunciou-o e parece que entretanto o porta-aviões está mesmo a dirigir-se para lá. Mas não se deixem enganar: temos muitos ativos militares naquela região. E estamos preparados caso os norte-coreanos façam alguma coisa.

As Lajes são uma das suas preocupações. Discordou da política da última administração em relação à base. Agora a posição dos EUA vai mudar?

Não sabemos o que vai acontecer. Foram causados muitos danos nos últimos anos na nossa relação com Portugal, na relação com os Açores. A base está um caos neste momento, com as pessoas, as instalações... E esperemos que alguém avance a acabe com isto. Em parte já começou. Reconheceu-se finalmente que é preciso voltar a olhar para as nossas bases na Europa. É um primeiro passo importante. Isso mostra que são necessárias mudanças na nossa postura em relação ao comando europeu.

O interesse chinês na Base das Lajes pode pôr pressão na administração?

Estou muito preocupado com o crescimento e a expansão da China no mundo. Estão a fazê-lo de uma forma muito sorrateira e perversa, tomando o controlo de parte da economia de vários países, dos portos. E o que temos visto é que têm sido muito bem-sucedidos em países como Djibuti ou o Sri Lanka, agora também São Tomé. E têm de ser travados. É um crescimento que não é aceitável. E ter qualquer estrangeiro perto da Base das Lajes seria um problema.

PERFIL

Nasceu em 1973 em Tulare, na Califórnia.

Formado em Agricultura.

Representa desde 2003 o 22º distrito da Califórnia na Câmara dos Representantes.

Dois bisavôsde Nunes saíram juntos da ilha de São Jorge nos Açores para os EUA, tendo-se instalado em Tulare no início do século XX. Separados, voltaram a encontrar-se 30 anos depois quando descobriram que os filhos iam casar-se. Agricultores, a família de Nunes adquiriu uma quinta onde se dedicou à criação de gado. Aos 14 anos, Devin partiu o mealheiro para comprar as primeiras sete cabeças de gado. A viver há 14 anos em Washington, mantém a ligação à terra. Casado com Elizabeth (também lusodescendente), tem três filhas.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt