Com a mão na massa e em cima da mesa
Há um ano conheci a família Roriz. Escrevi uma crónica com título irónico mas verdadeiro: «Vote em mim, votando nela». Era sobre eleições no Brasil e, no caso, para governador de Brasília. Tudo começou pela filha Roriz que anunciou pelo Twitter que «o meu pai lança a minha mãe como candidata a governadora». O pai, Joaquim Roriz, que já tinha sido governador, recandidatara-se mas fora cassado pela lei Ficha Limpa, uma nova lei brasileira que impedia candidaturas de gente com passado criminal, como era o caso. Já havia cartazes e boletins eleitorais com foto e nome de «Joaquim Roriz», mas por truques que as leis permitiam o pai transferia, em fim de campanha, a candidatura para a mulher.Era esta, Weslian de nome, que ia a votos (daí aquele meu título, «votem em mim, votando nela»). Foi então que conheci melhor a família Roriz. Pegaram na minha crónica, cortaram as partes desagradáveis e puseram-na no blogue da candidatura sob este título: «Candidatura de Weslian Roriz repercute em Portugal e jornal lusitano destaca apoio de Joaquim Roriz à esposa candidata.»Felizmente a minha influência eleitoral no Brasil é escassa e a cara-metade (e candidatura-metade) Weslian Roriz perdeu. Mas não me livrei dos Roriz. Esta semana, voltaram a ser manchete. Jaqueline Roriz, a filha, deputada federal, enfrentou o que já parece ser sina familiar: fez-se uma votação na Câmara de Deputados (o Parlamento brasileiro) para lhe cassar o mandato.Jaqueline tinha sido apanhada com a mão na massa e pondo-a por pacotes num saco. Foi filmada em vídeo a entrar num gabinete, a falar com o dono do gabinete e a receber deste, Durval Barbosa, cinquenta mil reais (um pouco mais de 21 mil euros). Razão tem a velha língua portuguesa ao chamar a dinheiro corrupto «por debaixo da mesa». Ele não deve ser recebido em cima do tampo, lugar demasiado exposto.Barbosa era secretário das Relações Institucionais em Brasília e transferia para deputados dinheiro das empresas que pretendiam favores. Durval praticou essas «relações institucionais», por pacotes, durante os mandatos do governador Joaquim Roriz e do sucessor deste, José Roberto Arruda. Homem precavido, Durval Barbosa tinha um vídeo escondido atrás da secretária, gravando o que mais tarde poderia servir-lhe de negociação com a justiça. Não foi Jaqueline a primeira vítima da indiscrição. Em 2009, acossado pela polícia, ele mostrou o vídeo de uma deputada distrital (quer dizer, não do Parlamento nacional, mas só de Brasília). Ela chamava-se Eurides Brito e também recebia dinheiro por pacotes. Foi o começo do escândalo «mensalão no Distrito Federal». Nessa altura, a nossa Jaqueline Roriz, que era só deputada distrital, fez várias declarações públicas exigindo a demissão da colega Eurides. Como esta recusasse, Jaqueline chamou-lhe «cara de pau» e «sem carácter». Foi uma reacção interessante porque, embora o vídeo de Jaqueline Roriz também com mão na massa ainda não tivesse sido divulgado (só o foi agora), já fora filmado em 2006.E esse 2006 acabou por salvar Jaqueline: para a Câmara dos Deputados a data serviu de desculpa. Sim, Jaqueline Roriz foi filmada a ser corrompida, mas essa foi a Jaqueline deputada distrital, o que ela era em 2006, não a nossa Jaqueline deputada federal, que é o que ela é agora. Esta semana, por maioria, o Parlamento recusou demiti-la.Com toda a «cara de pau» do mundo, José Eduardo Alkmin, o advogado da deputada, discursou no Parlamento dizendo que este não podia julgá-la, «só o povo». Nas próximas eleições, com o povo já a saber o que Jaqueline Roriz fez, é que saberemos o que o eleitor quer: «É melhor que se aguarde um novo posicionamento das urnas», disse o advogado de Jaqueline. E não o disse temendo mas, muito pelo contrário, esperançado na indiferença com que os eleitores se recordarão do vídeo, explícito e claro, da roubalheira dela. E não é que se fica com a sensação de que ele e ela podem ficar tranquilos?