Colorado bane Trump dos boletins mas "cláusula de insurreição" pode virar-se a favor dele 

Supremo Tribunal estadual recorreu à secção 3 da 14.ª emenda, ratificada pouco após o fim da Guerra Civil americana, para considerar o ex-presidente inelegível. Este vai recorrer.
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Ratificada em 1868, apenas três anos após o final da Guerra Civil americana, a 14.ª emenda à Constituição dos EUA pretendia não só garantir os direitos cívicos de antigos escravos, mas também tentar prevenir antigos altos responsáveis dos Confederados de voltar ao poder como membros do Congresso, retomando o controlo de um governo contra o qual se tinham rebelado.. Século e meio depois, foi a secção 3 desta emenda, conhecida como cláusula de insurreição", a que o Supremo Tribunal do Colorado recorreu para considerar Donald Trump inelegível para as presidenciais de 2024, devido aos seus atos durante as eleições de 2020.

A decisão - da qual a equipa legal do ex-presidente já anunciou que vai recorrer para o Supremo Tribunal dos EUA - determina que o nome de Trump não estará nos boletins das primárias republicanas naquele estado, mas pode, em última instância, deixá-lo de fora das presidenciais.

Com maioria de quatro dos sete juízes, o Supremo do Colorado manteve a decisão de primeira instância, de novembro, concluindo que Trump se envolveu numa rebelião a 6 de janeiro de 2021, durante o ataque ao Capitólio e considerou que a 14.ª Emenda da Constituição, invocada para reivindicar a sua inelegibilidade, se aplica de facto a um presidente.

Para já, no entanto, a decisão ficou suspensa até 4 de janeiro, data final para a certificação dos boletins de voto no Colorado, para o caso de haver recurso para o Supremo Federal até lá. "Se um recurso for apresentado ao Supremo Tribunal antes que esta suspensão expire, este permanecerá em vigor e ainda deverá ser incluído o nome de Trump na votação primária de 2024 até que receba qualquer liminar ou mandato do Supremo Tribunal", pode ler-se na decisão.

Mas então qual é o impacto desta decisão?

Estado que nas mais recentes presidenciais votou democrata, o Colorado em 2020 deu a vitória a Biden por mais de 13 pontos sobre Trump. Além disso, as primárias estão marcadas para 5 de março, a superterça-feira em que votam mais uma dúzia de estados e tudo aponta que o milionário, hiperfavorito na corrida republicana, consiga facilmente a nomeação sem precisar do Colorado.

Mas esta não deixa de ser uma decisão histórica. Por um lado porque o Colorado decidir banir Trump dos boletins de voto pode abrir a porta para outros estados fazerem o mesmo. Mas por outro, este novo revés judicial pode acabar por alimentar a narrativa do ex-presidente de que está a ser alvo de uma perseguição. Até Chris Christie, o ex-governador de New Jersey que é um dos seus mais ferozes críticos entre os candidatos à nomeação republicana acabou por criticar a decisão do Supremo do Colorado. "Não acredito que Donald Trump devia ser impedido de ser presidente dos EUA por um tribunal. Acredito que ele devia ser impedido de ser presidente dos EUA pelos eleitores deste país... Não me parece que seja bom para o nosso país ele ser afastado do boletim por um tribunal", afirmou.

E se, como recordava ontem o The Washington Post, as vozes republicanas foram mais rápidas a criticar esta decisão judicial do que as vozes democratas a saudá-la, revelando "algum desconforto com este método de derrotar Trump", também nada indica que haja um efeito de imitação noutros estados. Afinal mesmo dos sete juízes do Supremo do Colorado, todos nomeados por governadores democratas, três discordaram da decisão. E uma sondagem da Universidade Monmouth revelou que sete em cada dez republicanos não consideram apropriado usar a palavra "insurreição" para descrever o que aconteceu a 6 de janeiro de 2021 no Congresso.

Nesse dia, milhares de apoiantes de Trump tomaram de assalto o Capitólio em Washington para tentar impedir a certificação da vitória do democrata Joe Biden nas presidenciais. A 1 de agosto passado, o ex-presidente foi acusado de conspirar para reverter o resultado da eleição, uma acusação que se repetiu a 14 do mesmo mês pelo estado da Geórgia. Seguiram-se inúmeros recursos apresentados pela equipa do ex-presidente, mas dos mais de 15 processos atualmente em curso em vários estados, dois dos quais foram rejeitados no Minnesota e no Michigan, o Colorado foi o primeiro a declarar a inelegibilidade de Trump.

A menos de 11 meses das próximas presidenciais, a campanha promete aquecer. E Trump não poupou nas palavras. "Que vergonha para o nosso país!!! Um dia triste para a América", escreveu na sua rede social Truth Social após conhecida a decisão. Na véspera, num comício em Waterloo, no Iowa, repetiu as acusações que tem feito contra os imigrantes, garantindo "eles estão a destruir o sangue do nosso país", mas rejeitou estar a citar Hitler. "Nunca li Mein Kampf", afirmou.

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