Colina de Santana: haja transparência!
A colina de Santana em Lisboa faz nesta altura as manchetes, com a discussão pública das propostas para a urbanização dos locais hoje ocupados por hospitais emblemáticos da cidade: São José, Capuchos, Santa Marta, etc. Ao analisar o assunto, somos confrontados com várias perplexidades. Vejamos.
Em 2008-2010, o Governo de José Sócrates, a pretexto de arranjar receitas para reduzir o défice, vendeu (tal como fez com muitos outros imóveis do Estado) esses hospitais à Estamo, uma empresa do próprio Estado, por 125 milhões de euros. Do lado do Ministério da Saúde, a justificação era a de que os edifícios têm grandes despesas de manutenção, pelo que seria vantajoso construir um hospital novo.
A questão da redução do défice é uma mistificação, pois aquele montante representa menos de 0,1% do PIB. Além disso, a dívida do Estado não foi reduzida, pois o dinheiro entrou por um lado e saiu pelo outro, já que a Estamo teve de ir aos bancos pedir o dinheiro. Na verdade, até aumentou, pois há que pagar os juros.
Quanto ao Ministério da Saúde, também não se percebe, já que, depois da venda dos hospitais, os encargos passaram a ser ainda bem superiores, pois passou a pagar uma renda anual de seis milhões de euros. Assim, como um novo hospital nunca estará disponível antes de 2018-2020, até lá o Estado paga em rendas à Estamo mais de metade do que recebeu.
Entretanto, foi sendo preparada a construção do novo hospital, em Cabo Ruivo, a mais de cinco quilómetros de distância, com um custo total previsto de 600 milhões de euros, através de uma parceria público-privada (PPP), mais uma, a qual, segundo se diz, acarreta para o Estado um encargo anual de mais de 30 milhões de euros. Portanto, o Estado encerra os seus hospitais porque têm muita despesa e avança para a construção de um novo, em que fica a pagar uma renda muito superior.
Contudo, o atual ministro, Paulo Macedo, tem dúvidas sobre o negócio; anulou a PPP e mandou estudar soluções alternativas. Aliás, nunca foram apresentados estudos a demonstrar que a opção de substituir os hospitais existentes pelo novo hospital é a melhor.
Por outro lado, e muito antes de saber se o Estado vai mesmo avançar para a construção do novo hospital, a Estamo mandou fazer estudos urbanísticos com vista à promoção imobiliária nos locais dos hospitais e entregou os pedidos de licenciamento na câmara. Na prática, foi criar um facto consumado, uma pressão incrível sobre o próprio Estado.
Aliás, o argumento de que os hospitais estão velhos, para justificar a construção de um novo hospital, é falacioso. De facto, saindo dali os hospitais, fazem-se obras de remodelação e novas construções, e aparecem lá hotéis e condomínios de luxo, tudo num "brinquinho". Então, porque é que não se faz nesses hospitais as obras necessárias para os pôr como novos? Além disso, há as dezenas, senão centenas de milhões de euros gastos em equipamentos nesses hospitais que são deitados à rua. Será que isto é defender o interesse público?
Nestas condições, será de bom senso:
1 - Suspensão imediata dos processos de licenciamento em curso na câmara municipal;
2 - Reversão para o Estado dos hospitais vendidos à Estamo, com o pagamento a esta dos valores de aquisição (obviamente, as rendas já pagas cobrem os juros do capital investido);
3 - Suspensão do processo de construção do novo hospital;
4 - Realização de um levantamento detalhado das necessidades de melhoria das instalações dos atuais hospitais, bem como de outros equipamentos de saúde que possam ser instalados nos hospitais já devolutos;
5 - Disponibilização para consulta pública dos estudos que estão na base das decisões relativas à construção do novo hospital e ao encerramento dos existentes.
Haja transparência. Os portugueses merecem.