Coligação Jamaica? "Pelos vistos não há nada melhor"
Charlotte é do estado da Saxónia mas vive na capital alemã há 15 anos. Mais propriamente na zona de Friedrichshain-Kreuzeberg, distrito de Berlim onde, nas legislativas de domingo, os Verdes obtiveram melhores resultados. "Votei nos Verdes porque acho importante discutir coisas que eles defendem, como o dieselgate ou as políticas para a UE, não são tão alinhados com o sistema", explica ao DN esta alemã, de 38 anos, à saída da estação do U-Bahn em Prinzenstrasse. Apesar disso, tem dúvidas sobre uma aliança CDU/CSU, FDP e Verdes, a chamada coligação Jamaica (porque as cores dos partidos são as mesmas da bandeira jamaicana).
A recusa do SPD em reeditar a Grande Coligação com os conservadores de Angela Merkel fez com este triunvirato restasse como a única hipótese de governo maioritário na Alemanha. "Verdes e FDP não têm muito em comum. Mas, por outro lado, esta pode ser uma oportunidade de termos um verdadeiro debate político, coisa que não tivemos ao longo dos últimos quatro anos", diz a assistente social, considerando que a fadiga da Grande Coligação, aliada ao receio dos refugiados, serviu "para alimentar a Alternativa para a Alemanha".
A AfD, cujos dirigentes recusam o rótulo de extrema-direita, ficou em terceiro lugar, a seguir à CDU/CSU de Merkel e ao SPD de Martin Schulz. Charlotte não está surpreendida. "Acho que sempre houve uma base racista na sociedade alemã que agora vê a AfD como aquilo que sempre quis. Na Saxónia é assim. Não me vejo a voltar para lá. As pessoas da Saxónia têm medo daquilo que aqui, em Kreuzberg, é normal. Uma mistura de todos. Não estou propriamente surpreendida com o resultado da AfD, já estava preparada, mas não deixo de ficar chocada", confessa, afirmando que tenta pensar positivo e espera que a Jamaica "seja pelo bem" da Alemanha.
Apesar da sua entrada fulgurante no Bundestag, que vai ser o maior de sempre, com 709 deputados, a AfD começou já ontem a acusar divisões internas que poderão vir a minar o partido. Na conferência de imprensa da parte de manhã, a líder da AfD, Frauke Petry, causou surpresa ao anunciar que não iria integrar o grupo parlamentar do partido e que ficará como independente. Perante o olhar de surpresa do porta-voz da AfD, Christian Luth, Petry classificou a AfD como sendo um "partido anarquista" que serve "para a oposição" mas "não para oferecer um governo". Em seguida, pegou na mala e saiu, abandonando a conferência de imprensa.
No cruzamento entre a Prinzenstrasse e a Moritzstrasse, vem Elly Koepf, com o filho, de bicicleta. "Eu acho um pouco triste que o SPD recuse a Grande Coligação com a CDU porque a Jamaica será mais fraca. CDU, FDP e Verdes são diferentes e gastarão muita energia a discutir entre eles. Mas pelos vistos, neste momento, não há nada melhor", constata a alemã, de 36 anos, que trabalha como project manager numa ONG. O gasto de energia a que se refere já começou, com nenhum dos três partidos a mostrar as cartas, mantendo o suspense. Katrin Göring-Eckardt, candidata dos Verdes, previu ontem negociações complicadas. Wolfgang Kubicki, vice-líder do FDP, disse aos jornalistas: "Não nos cabe a nós formar uma coligação Jamaica a qualquer preço". Merkel, por seu lado, afirmara no domingo que o seu desejo é compor "um governo estável" para a Alemanha.
Andre foi dos que votaram nos liberais do FDP. "Espero que eles entrem no governo, pois para mim o seu programa era o melhor. Querem melhorar a educação. Isso é muito importante. Eles são um partido que tenta encontrar soluções para todos e não só para alguns", diz ao DN o alemão de 33 anos, que trabalha como team leader num call center, na zona de Marzahn. "Merkel fez bem em receber os refugiados, podia era ter feitos as coisas melhor, de outra forma", sugere, enquanto entra no centro comercial junto à estação de S-Bahn de Marzahn. Situado em Berlim Leste, parte da ex-RDA, o distrito de Marzahn-Hellersdorf foi aquele em que a AfD teve melhores resultados eleitorais em Berlim. Foi o segundo mais votado. Atrás do Die Linke. Os grandes partidos, CDU e SPD, ficaram aí, respetivamente, em terceiro e quarto lugar.
"Os meus vizinhos votaram na AfD. Para protestar. Acho que é mau. Prefiro o Die Linke", explica ao DN Heidi Vinklar, administrativa de 60 anos, que compra frutas e legumes no mercado de rua da Marzahner Prommenade. Não muito longe do East Gate Berlin. A fumar um cigarro à porta deste centro comercial está Dorothee Buchwald-Krüger. Apoiante da CDU, pensa que "as pessoas do Leste não têm tanta experiência de convívio com outras de outros países e têm medo. Muita gente votou na AfD porque tem medo dos refugiados e acha que o Estado lhes dá mais dinheiro a eles do que aos alemães. Não é verdade. O Estado ajuda todas as pessoas que são pobres. Agora acham que a AfD vai fazer alguma coisa contra os refugiados". Auxiliar de ação médica, Dorothee, de 65 anos, está em Marzahn porque veio com o marido ao médico, mas vive em Reinickendorf - distrito de Berlim Ocidental onde a CDU teve mais votos na cidade-estado. Dorothee, que trabalha também como voluntária com refugiados e testemunhou de perto a vaga de 2015, considera que uma "coligação CDU-FDP-Verdes não é, de todo, uma má ideia".
Enviada especial a Berlim