Colapso de ilhas vulcânicas pode causar megatsunamis

Portugueses reconstituíram megatsunami ocorrido há 73 mil anos em Cabo Verde, depois do colapso do flanco leste do vulcão do Fogo
Publicado a
Atualizado a

Uma catástrofe de proporções gigantescas ocorreu nas ilhas de Cabo Verde, há 73 mil anos:o flanco leste do vulcão do Fogo colapsou e mergulhou no Atlântico, gerando um megatsunami que atingiu a ilha de Santiago, a 55 km de distância, onde galgou terreno até aos 220 metros acima do nível do mar. As marcas, na forma de sedimentos e de enigmáticos blocos rochosos de muitas toneladas, ainda lá estão, bem visíveis, e foi a partir delas que um grupo de cientistas, liderado pelo geólogo português Ricardo Ramalho, chegou a esta conclusão e conseguiu reconstituir o fenómeno.

O estudo foi publicado ontem on line na Science Advances e vem confirmar a hipótese até agora bastante controversa de que os colapsos de edifícios vulcânicos podem acontecer com este tipo de consequências: os megatsunamis. Mas não apenas isso. No caso concreto do vulcão do Fogo, o trabalho de um equipa francesa, publicado em 2011, já indicava que um fenómeno deste tipo teria ocorrido ali, entre há 124 mil e 65 mil anos, mas subsistiam dúvidas sobre se o colapso ocorrido no flanco do vulcão teria sido mais rápido ou mais espaçado no tempo.

"Os nossos resultados dão-nos uma datação mais precisa, os 73 mil mil anos, e mostram que o que ocorreu foi um colapso súbito, porque encontrámos evidências de que o fenómeno aconteceu dessa forma", explicou ao DN Ricardo Ramalho, investigador na Universidade de Bristol, Reino Unido.

Os cálculos feitos pela equipa, que inclui também os portugueses José Madeira e Rui Quartau da Universidade de Lisboa e Ana Hipólito da Universidade dos Açores, apontam para que a onda desse megatsunami ocorrido há 73 mil anos teria a altura de 170 metros quando chegou à ilha de Santiago. Nessa época, o nível do mar estava 50 metros abaixo do que é hoje, o que significa que atingiu uma altitude de 270 metros em terra, uma vez que hoje os vestígios da sua passagem se encontram a 220 metros de altitude.

Esses vestígios são de dois tipos: sedimentos e um conjunto de blocos rochosos, o maior com 700 toneladas, que se encontram num planalto da ilha de Santiago, a 220 metros de altitude. A sua presença ali só pode ser explicada por um megatsunami resultante do colapso repentino do flanco do vulcão, dizem os autores do estudo.

A primeira vez que Ricardo Ramalho viu aqueles enormes blocos, em 2007, ficou "intrigado", recorda. "Mas na altura estava a fazer trabalho de campo para a tese de doutoramento, sobre a origem e evolução geológica das ilhas de Cabo Verde, e não me debrucei sobre o assunto".

De qualquer maneira, os blocos já tinham sido descritos em 1977 pelo geólogo António Serralheiro, da Universidade de Lisboa. "Na altura não era possível associá-los a um fenómeno deste tipo e eu, em 2007, também não pensei nisso", conta Ricardo Ramalho.

Mas depois do artigo dos franceses, em 2011, as coisas começaram a acontecer. José Madeira já estava nessa altura a estudar os tais sedimentos que indicavam um fenómeno desse tipo. "Eu falei-lhe dos blocos e então pensámos que as duas coisas estariam ligadas e decidimos avançar para este estudo", lembra Ricardo Ramalho.

Não se tinham enganado, as coisas estavam mesmo ligadas. Pelo meio, José Madeira e Ricardo Ramalho ainda estiveram no Fogo, aquando da última erupção, entre novembro de 2014 e fevereiro deste ano, embora esse trabalho de campo não se repercutido no resultado agora publicado. A erupção lembra, no entanto, que o vulcão continua ativo "e que é preciso continuar a estudar estes fenómenos", sublinha Ricardo Ramalho. "Não só para compreender melhor como, e em que circunstâncias, pode ocorrer o colapso de um edifício vulcânico mas também para fazer essa monitorização e, em caso de problema, ter tempo de fazer avisos às populações", explica o cientista. Este tipo de fenómenos, como o que ocorreu há 73 mil anos em Cabo Verde, "é muito raro, mas os nossos dados mostram que eles podem ocorrer de forma rápida e por isso é necessário continuar a fazer estes estudos", conclui Ricardo Ramalho.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt