Coisas que não interessam a ninguém

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Portugal tem uma das perspectivas demográficas mais desfavoráveis da Europa, quando esta já as tem mais desfavoráveis face ao resto do mundo. Segundo projecções da Nações Unidas, a população portuguesa deverá reduzir-se pelo menos até 2050, sendo a redução particularmente acentuada no segmento etário entre os 20 e os 64 anos. Por outro lado, e como consequência do envelhecimento da população, o segmento com idade igual ou superior a 65 anos continuará a crescer.

Daqui decorrem, pelo menos, as seguintes consequências económicas: i) encolhimento do número potencial de trabalhadores e, portanto, do correspondente potencial produtivo; ii) encolhimento do potencial de procura na economia (por decréscimo da população total); iii) aumento das tensões distributivas, dada a substancial redução do número de potenciais contribuintes líquidos por cada potencial recebedor líquido.

O desfavorável panorama demográfico, com as consequências referidas em i) e ii) supra, é muito pouco atractivo para o investimento: perspectivas muito baixas para a procura interna e poucos recursos produtivos para poderem ser dirigidos à procura externa são pouco convidativos ao investimento, o que não pode deixar de baixar as perspectivas desfavoráveis de crescimento económico sustentado.

A esperança reequilibradora deste quadro negativo vira-se para a produtividade, de onde se espera que provenha a capacidade de compensar a redução de produtores sem sacrificar o crescimento económico. Todavia, o comportamento da produtividade aparente do trabalho tem mostrado persistente desaceleração. Até meados dos anos 1990, cresceu a uma taxa média de 3,7% ao ano, mas de então para cá tal crescimento baixou para 1%. O que, a manter-se, pouco mais do que compensa o decréscimo médio anual projectado para a população potencialmente activa até meados deste século (0,9%).

Há 50 anos, existiam cerca de 5.5 pessoas com idade entre os 20 e os 64 anos (potenciais contribuintes líquidos do Orçamento) por cada pessoa com idade igual ou superior a 65 anos (potenciais recebedores líquidos do Orçamento). Actualmente, essa relação andará na ordem dos três para um e em 2050 prevê-se que seja de 1.4 para 1 (isto é, metade da actual).

O desafio distributivo - o que quer dizer, o problema orçamental - fica assim preso num círculo vicioso, com a perspectiva de mais necessidades distributivas, via pensões (dado o crescimento da população envelhecida), e de menor capacidade de geração de rendimento (devido à redução da população activa e à fraca produtividade).

Grosso modo, isto significa que, para manter o actual equilíbrio distributivo - níveis de fiscalidade e de pensões, com tudo o resto igual -, seria necessário duplicar a produtividade do trabalho, o que implica que esta teria de crescer anualmente ao dobro do que tem crescido nos últimos 20 anos. Caso contrário, o ajustamento terá de combinar a redução de pensões (até metade) e/ou o aumento da fiscalidade aplicável (até ao dobro) e/ou aumento da idade de reforma (diminuindo o rácio entre potenciais contribuintes líquidos e potenciais recebedores líquidos). Por exemplo, aumentando de 65 para 70 anos, o rácio acima referido já só cairia para dois terços (em vez de metade) em 2050.

Para complicar ainda mais o problema, o Estado acumulou um considerável stock de dívida (cerca de 1.3 vezes a riqueza gerada anualmente). Esta acumulação resultou de, no passado, ter distribuído rendimento que não tinha, pedindo a diferença emprestada, com a correspondente promessa de pagar uma renda anual aos credores (os juros). Só que, ao endividar-se, o Estado sentou os credores à mesa distributiva, engrossando o grupo de recebedores líquidos do Orçamento. Com isso, encolheu a fatia disponível para os restantes recebedores e/ou aumentou a factura exigível aos contribuintes líquidos.

Posto o problema assim, a tentação mais imediata seria não pagar a dívida. Essa solução, porém, é muito mais complicada do que pode parecer à primeira vista, mas deixá-la-ei para outra ocasião. De qualquer forma - e isso é que é importante compreender -, o não pagamento da dívida poderia aliviar o problema, sobretudo na complicação autoinfligida pela má gestão orçamental do passado; mas não só não o resolveria, como as consequências do desequilíbrio demográfico continuarão a ser as que mais pesam no problema e as mais difíceis e demoradas de resolver.

Há, claro, o antídoto da produtividade, que poderá atenuar o problema. E por isso os responsáveis o invocam na esperança de um milagre. Milagre, num duplo sentido: que lhes resolva um problema que não conseguem resolver e que, para além da sua invocação, não exija acção humana (especialmente da sua parte).

Numa sociedade que se preocupasse com o futuro, esta questão deveria estar no centro das preocupações e do debate público. E deveria estar a mobilizar particularmente as gerações abaixo dos 50 anos. Mas o que é isso comparado com as fantasias "antiausteritárias", os sms deste e daquele, ou os penáltis que ficam por marcar?! Picuinhices que nem cabem num Twitter...

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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