Coimbra. Há um novo espaço no Museu da Universidade dedicado à vida académica

Paulo Trincão, diretor do museu, chama-lhe "uma visita de Coimbra em 15 minutos". O novo espaço "Éfe-Érre-Á - Momentos da Vida Académica" resultou de uma ideia de João Leão, um antigo estudante, durante a pandemia, que foi depois proposta para o Orçamento Participativo.
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À entrada, é o visitante que escolhe: a porta da cidade ou a porta da universidade. Ali está uma antiga sala de aula, as imagens das maiores glórias desportivas da Académica, e até o interior de uma República, essa realidade sem paralelo no resto do país. Mas há o resto: o ambiente da Queima das Fitas e, claro, o Fado de Coimbra. Está tudo no novo espaço "Éfe-Érre-Á - Momentos da Vida Académica", que reúne o espólio museológico (e não só) representativo de algumas das mais marcantes vivências da cidade dos estudantes, inaugurado a 4 de abril, Dia do Antigo Estudante de Coimbra.

O novo espaço resulta, afinal, do projeto vencedor do Orçamento Participativo camarário de 2020, que assim "reorganiza e reinterpreta o espólio do Museu Académico da Universidade de Coimbra, oferecendo uma visão singular dos momentos mais marcantes da vida estudantil em Coimbra (com salas evocativas de cada vivência)", refere o gabinete de imprensa da Universidade de Coimbra (UC).

No rés-do-chão do Colégio de Jesus, parte do Museu da Ciência da UC, o visitante percebe logo ao que vai. "É desafiado a reviver as suas memórias ou, se não as tiver, a entender melhor quem as tem." A mostra ocupa quatro salas, duas delas divididas ao meio por um sistema de vitrines-espelho, que "duplica" os conteúdos expostos, criando a sensação de ampliação do espaço.

Na primeira, mostra-se a ligação (indissociável) entre Coimbra e a instituição de ensino superior mais antiga do País, e uma das mais antigas do Mundo, com 733 anos de história. E por isso fez sentido uma reprodução da velha "Cabra", a Torre da Universidade, que guarda no interior um dos seus sinos originais.

Seguindo pela porta da direita, a da universidade, recorda-se o interior de uma antiga sala de aula, incluindo o traje académico e as insígnias doutorais de Polybio Serra e Silva, professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina, falecido em 2022. Seguimos para a sala do Desporto, que guarda os troféus e evoca os momentos mais emblemáticos da Associação Académica de Coimbra (AAC) enquanto uma das maiores entidades multidesportivas nacionais: em lugar de destaque figura - claro está - a primeira Taça de Portugal da história, conquistada pela equipa de futebol em 1939.

Juntam-se ainda as salas das Repúblicas e da Queima das Fitas, às quais se acede pela porta da esquerda, a da cidade. A primeira recria o interior de uma República: uma casa arrendada por estudantes, "gerida nos ideais de coabitação democrática e gestão interna da vida coletiva", palco da vida boémia estudantil, mas também de uma forte consciencialização cultural e política (visível na oposição ao Estado Novo nas décadas de 1960 e 1970) - nas paredes estão gravados os marcos dessa história centenária.

E depois, noutra sala, a evocação da Queima das Fitas, cujas origens remontam a finais do século XIX, e que durante muitos anos foi, a par da Festa do Avante, um dos palcos abertos aos maiores nomes da música na cena internacional.

Sabendo que "Coimbra tem mais encanto na hora da despedida", para o final fica a sala da música, onde é possível ouvir uma pequena amostra dos estilos musicais - do fado à canção de intervenção - ligados ao ambiente universitário.

Nascido e criado em Coimbra, João Leão sempre viveu a cidade nas mais diversas vertentes. Aos 29 anos, este advogado continua ligado ao meio académico e recorda o momento em que entrou na universidade, bem como um episódio que viria a ser determinante para o desenrolar desta história: "Uma das coisas que fiz foi visitar uma República. Percebemos na altura que, vem de fora e chega a Coimbra não tem nenhum contacto com o que é a história da Associação Académica e do meio envolvente."

Dessa ida à Rápo-Táxo - uma das muitas Repúblicas que ainda permanecem em Coimbra - resultaria, afinal, o princípio deste projeto. "Sempre tive a consciência de que a maioria das pessoas não compreendem verdadeiramente como é que se vive aqui. Lembro-me da minha mãe contar uma série de histórias, até do tempo do avô dela, de como era nesse tempo, e percebia que os meus colegas não tinham essa vivência", explica João Leão.

Em 2020, quando deflagrou a pandemia, floriu a ideia: "Criar um espaço que recriasse uma República e permitisse ao cidadão comum ter uma noção abrangente do que é Coimbra, tendo ali de tudo um pouco." É certo que já existia o Museu Académico, mas ficava aquém do que João Leão imaginava. Nem de propósito, cruzou-se com o Orçamento Participativo, cujo tema nesse ano "era, precisamente, Coimbra inserida na Europa". "Ora se nós temos uma das universidades mais antigas do mundo, é natural que a nossa forma de viver também influencie a Europa", adianta o advogado, que acabou por ser auxiliado neste projeto por um grupo de pessoas já ligado ao Museu Académico.

Paulo Trincão, diretor do Museu da Ciência da UC (que integra o Museu Académico), lembra-se bem desses primórdios, de quando cruzou o espólio da academia até então "guardado" no Colégio de Jesus com o Orçamento Participativo da Câmara Municipal de Coimbra. "O espaço "Éfe-Érre-Á - Momentos da Vida Académica resulta de um desejo muito forte de contribuir para a construção da identidade coletiva daqueles que em Coimbra viveram momentos inesquecíveis da sua vida e mostrar àqueles que por aqui não passaram o que esta universidade e a cidade têm de único", afirma Paulo Trincão ao DN, sublinhando que a exposição procura ser "um espaço de (re)encontro e emoções, criando pontes enraizadas num espólio académico único no país". "Estas nossas memórias académicas são o ponto de partida para conhecermos melhor as vivências e os motivos de orgulho das nossas lutas e dos nossos valores plurais. Todos são desafiados a partir de agora a ajudar a construir a imagem que queremos dar de nós", conclui, certo de que uma visita funcionará como "uma visão de Coimbra em 15 minutos".

O espaço "Éfe-Érre-Á - Momentos da Vida Académica" está integrado nos várias programas de visita ao circuito turístico da Universidade de Coimbra (com preços entre os oito e os 17,5 euros). Éfe-Érre-Á - ou F.R.A., é o acrónimo de Frente Revolucionária Académica - um grito exuberante lançado pela comunidade estudantil como saudação de honra ou manifestação de alegria.

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