Cláusulas de rescisão, uma moda que já vem do século passado
Quem acompanha o futebol por certo já ouviu falar no termo "cláusulas de rescisão". Em Portugal, tal como em Espanha e em Itália - países que aderiram a esta prerrogativa -, este é o método usado para os emblemas se defenderem com preços elevados para os seus melhores intérpretes.
Nos últimos tempos, Gelson Martins, extremo do Sporting, e Nélson Semedo, lateral do Benfica, são os nomes mais associados ao termo. Por uma razão simples: o Sporting quer aumentar o valor da cláusula de Gelson de 60 milhões para 100 milhões ao passo que o Benfica tem o mesmo objetivo que o rival da Segunda Circular, colocando o lateral com uma cláusula de rescisão de 80 milhões de euros - atualmente é de 60 milhões.
Pergunta o leitor, e muito bem, mas, afinal, quando é que esta história das cláusulas de rescisão se iniciou em Portugal? A resposta, e as motivações do referido pioneirismo, é dada por um dos homens que copiaram a ideia daquilo que se via em Espanha e em Itália resolvendo aplicá-la no Sporting... estávamos ainda no século passado. "Posso dizer-lhe que quem introduziu as cláusulas de rescisão em Portugal foi um fulano chamado Carlos Janela", diz ao DN o próprio, que em 1999 era diretor desportivo dos leões.
O período remonta ao Sporting do final do jejum de 18 anos sem se sagrar campeão nacional. Mesmo sem títulos, as camadas jovens do clube de Alvalade continuavam a ter fornadas de excelência, mas havia que evitar dois exemplos passados e que pouco, ou nada, renderam financeiramente ao Sporting. "O Sporting tinha uma formação de muita qualidade, mas os jogadores formados em Alvalade e que rumaram, com algum impacto, a outras paragens pode dizer-se que saíram de borla do clube. Refiro-me ao Paulo Futre, que foi para o FC Porto, e ao Luís Figo. Ainda me recordo quando eu o Pedro Santana Lopes fomos a Madrid fazer um choradinho ao velho Núñez [Josep Lluis Núñez, à altura presidente do Barcelona], que percebeu que ou tínhamos sido enganados ou que a direção anterior do Sousa Cintra não tinha lidado bem com o assunto e deu-nos 300 milhões de pesetas. E isso foi porque ele reconheceu que tinha contratado um grande jogador, senão pagava só os direitos de formação", conta Carlos Janela, na atualidade gestor desportivo.
Quaresma, Viana e o marketing
Por isso havia algo a fazer. "Os primeiros jogadores em que inscrevemos uma cláusula de rescisão foi aquela equipa que englobava o Ricardo Quaresma, o Valdir, o Hugo Viana, o Carlos Marques e ainda aproveitámos uma renovação do Carlos Martins. Eram todas de 25 milhões de euros", conta. E a ideia surgiu naturalmente. "Repare, já existia em Espanha e em Itália e tenho muito claro porque decidi isso. A legislação estava a ficar muito confusa e estávamos num período pós-Lei Bosman e havia que blindar, havia que criar uma situação legal que impedisse investidas hostis de outros clubes. As cláusulas de rescisão não foram feitas como preço de venda mas sim para evitar investidas hostis sobre os jogadores", refere Carlos Janela, antes de revelar outro dos motivos pelos quais se decidiu a colocar em cima da mesa da SAD leonina essa situação. "Claro que também havia uma componente relacionada com o marketing. Um jogador com uma alta cláusula de rescisão criava muito impacto no mercado. E, ao mesmo tempo, estávamos a chamar a atenção do trabalho feito na formação do Sporting. A verdade é que a legislação internacional permitia isso e a legislação portuguesa também era favorável. Estávamos numa fase em que precisávamos de adequar os nossos contratos e a nossa legislação ao que se fazia no resto da Europa.
Carlos Janela recorda-se da receção que os dirigentes do Sporting tiveram à sua ideia. "Muito boa", garante, para depois pormenorizar. "José Roquette, Paulo Abreu, Norton de Matos e eu... todos estávamos de acordo. Conhecíamos bem o mercado internacional e começava a haver dúvidas se conseguíamos manter alguma autoridade e controlo sobre os vínculos dos jogadores. Fazíamos contratos de quatro, cinco e seis anos e ninguém nos garantia que não levavam os jogadores, então, para não haver dúvidas, tivemos de fazer uma blindagem", esclarece.
De 1999 para cá poucos jogadores saíram de Portugal pela cláusula de rescisão. Nani, Witsel e Slimani foram algumas das boas exceções em que não houve descontos. O futebol mudou nos últimos 17 anos, mas os fundamentos das cláusulas de rescisão não diferem em quase nada. "Mantêm-se os propósitos, mas hoje é muito mais para evitar uma investida hostil. Ainda há o impacto do marketing mas a blindagem superou o marketing", diz Janela.
Em Inglaterra e na Alemanha, por exemplo, não existem cláusulas de rescisão. Segundo Carlos Janela "a legislação desses países e a mentalidade" estão na base dessa situação, contudo defende a sua dama. "É melhor haver uma cláusula fixa, um teto. Compromete as duas partes e o clube sabe que o jogador está comprometido psicologicamente." E não será isso a impedir o negócio: "Os clubes portugueses sobrevivem pelas vendas e não têm problemas, apesar das cláusulas, em entrar em negociações."