Cláudia Azevedo: os desafios de uma sucessão na continuidade
A filha mais nova do fundador da Sonae, Cláudia Azevedo, foi proposta para presidente executiva (CEO) do grupo Sonae, em substituição de Paulo Azevedo e Ângelo Paupério, que se vão manter na administração do grupo em funções não executivas. A até aqui presidente da Sonae Capital assume funções em 2019. "Uma responsabilidade que aceito, com a convicção de quem olha para o futuro e tem a confiança de ter nos valores Sonae a determinação e o otimismo necessários para enfrentar os desafios que seguramente surgirão", disse a futura CEO do grupo dono do Continente e do centro comercial Colombo. Mas o que é que se pode esperar da nova liderança de uma das maiores empresas nacionais?
"O que temos tido nos últimos tempos na Sonae é o que vamos ter: continuidade", considera Albino Oliveira, analista da Patris Investimentos, lembrando que Paulo Azevedo vai manter-se na administração do grupo como não executivo. "A linha que ele definiu será mantida."
José Marquitos, antigo quadro do grupo que conhece bem Cláudia Azevedo, considera que o principal desafio da nova CEO será precisamente "suceder ao irmão, Paulo Azevedo, que fez um trabalho excelente, sempre acompanhado de Ângelo Paupério, depois da morte do pai, Belmiro de Azevedo". "É um desafio que, tenho a certeza, saberá superar com sucesso, depois do trabalho notável que o irmão e Ângelo Paupério fizeram, em termos de consolidação do grupo, de criação de novas áreas de negócio e de alcance de novos mercados ", afirma.
O antigo administrador da Sonae entende que Cláudia Azevedo "terá certamente todo o apoio do próprio irmão e de Ângelo Paupério. Vai ter um grande conforto, em termos de saber, de lealdade e de amizade. O Paulo tem uma profunda amizade e respeito pela irmã". "O desafio é substituir de uma só vez duas pessoas, mas ela saberá ser ouvida e dar a orientação ao grupo", refere José Marquitos.
Pela frente a futura CEO da Sonae terá desafios, num grupo que tem mais de 50 mil funcionários, 20 mil acionistas e gerou receitas de 5,7 mil milhões em 2017. É no passado recente que o analista da Patris Investimentos vê sinais sobre as prioridades da futura presidente executiva do grupo que atua na área do retalho alimentar, consumo eletrónico (Worten), vestuário (Salsa, Zippy, MO), desporto (SportZone), imobiliário, centros comerciais e telecomunicações, onde, através da Zopt (com Isabel dos Santos), controla a operadora NOS.
Decidir sobre a entrada em bolsa de parte do portefólio de retalho e de imobiliário do grupo deverá ser um dos desafios mais imediatos que Cláudia Azevedo terá de abraçar caso o grupo não tome, até 2019, altura em que a gestora assume funções, uma decisão. "A separação do portefólio de retalho é algo que o grupo já deu indicações de querer avançar e ainda está por concretizar", refere Albino Oliveira.
Em maio, o grupo comunicou ao mercado a intenção de colocar em bolsa parte do portefólio de retalho da empresa, mantendo-se a Sonae com uma posição maioritária. "O portefólio de retalho potencialmente sujeito à entrada em bolsa incluiria a Sonae MC, o negócio líder de mercado na área do retalho alimentar, e a Sonae RP, a entidade que gere a propriedade imobiliária de retalho da Sonae", informou o grupo que nomeou "o Barclays, o BNP Paribas e o Deutsche Bank para organizar reuniões exploratórias com potenciais investidores para uma possível entrada em bolsa".
Sobre esta operação não há ainda mais pormenores, mas para Albino Oliveira será um movimento "interessante porque vai permitir ao mercado avaliar diretamente a rentabilidade deste negócio e permitir à Sonae um encaixe financeiro sobre o qual ainda não deu indicação de qual poderia ser". Mas, segundo estimativas do banco de investimento Haitong, o portefólio terá um valor de mercado de 1,8 mil milhões de euros. Se for disperso em bolsa 30% do capital, o potencial encaixe poderá ascender a 600 milhões de euros.
Na área não alimentar, Albino Oliveira sublinha que o grupo "sempre disse que haveria algo que poderia ser feito para aumentar a sua rentabilidade", e lembra o acordo fechado em setembro do ano passado com a JD Sprinter (dona da JD Sports) e a cadeia desportiva Sport Zone.
Essa mesma lógica, de busca de maior rentabilidade, também "se poderá aplicar a outras áreas nesse segmento não alimentar", diz. Em que moldes, se por parcerias ou fusões, "tudo dependerá do que a empresa percecionar como oportunidade, e do rumo estratégico que tomar".
A aposta numa oferta omnicanal tem sido uma estratégia do grupo, que há muito atua no comércio online de retalho alimentar, com o Continente. Aumentar a quota num segmento de negócio que está a crescer é, de resto, um dos objetivos da Sonae, que, em junho, admitia querer "alavancar a plataforma digital e capturar o potencial de crescimento do comércio eletrónico", no qual já é o "líder incontestado" com uma quota de 70%, bem como expandir a oferta da Well's e da nutrição saudável.
Neste campo, em julho, a Sonae fechou uma joint venture com os CTT para a criação de um marketplace - "muito abrangente em termos de categorias de produtos" - e no qual as duas empresas vão investir cerca de 15 milhões de euros nos primeiros dois anos. O foco será Portugal, embora as companhias tenham admitido que "no futuro" o marketplace poderá expandir a outras geografias. Tanto a Sonae como os CTT têm presença em Espanha.
A parceria foi anunciada num momento em que no mercado se antecipa uma eventual entrada do gigante Amazon, que ameaça as retalhistas tradicionais. Mas as empresas negam a ligação. "O nosso modelo de negócio será distintivo e apresentará um posicionamento competitivo no mercado em que se insere".
A Sonae tem feito esforços para se internacionalizar. Mas na principal área de negócios, a de retalho alimentar, que conta para 32% do valor da empresa, essa tarefa não é fácil.
Contrariamente à Jerónimo Martins, que descobriu na Polónia o motor de crescimento, a unidade de retalho alimentar da dona do Continente está quase exclusivamente confinada a Portugal. Recentemente, Luís Reis, administrador da Sonae, admitia numa entrevista à Reuters que era um segmento "difícil de internacionalizar".
No passado, a Sonae tentou entrar em Angola em parceria com Isabel dos Santos, com quem tem também um entendimento na operadora NOS. O acordo acabou por cair, tendo a empresária angolana lançado a sua própria cadeia de hipermercados.
Ainda assim, a empresa continua com a internacionalização do retalho alimentar nos seus objetivos. Luís Reis disse que a Sonae está "atenta a oportunidades" e que existem "parcerias para olhar para mercados de maior risco, como os mercados em África".
Na última apresentação feita a investidores, a Sonae assegurou que entre as grandes prioridades estratégicas do grupo está a expansão internacional. O objetivo é "transformar a Sonae numa grande empresa multinacional".
Cláudia Azevedo chegará à liderança da Sonae com uma empresa menos endividada. No início de 2009 a dívida líquida da dona do Continente era de mais de 3,5 mil milhões de euros. Em março desse ano, esse valor desceu para menos de 1,3 mil milhões. Além disso, o custo médio da dívida é relativamente baixo, de 1,2%. O prazo médio é de cerca de quatro anos e a empresa tem as necessidades de financiamento asseguradas até final de 2019.
Após o trabalho de fortalecimento da situação financeira nos últimos anos, os investidores vão tentar perceber como será gerido o balanço da empresa. "A Sonae tinha habitualmente um balanço com muita dívida, poderá fazer sentido olhar para ele. E sobre isso podemos obter alguma resposta quando decidirem o que vão fazer com o encaixe que possam vir a obter com a eventual entrada em bolsa na área do retalho, se vai servir para investimento, abater dívida ou pagar dividendos", diz Albino Oliveira.
A Sonae tem em curso um caderno de encargos pesado a nível de investimento. No ano passado esse plano representou 248 milhões de euros, um reforço face aos 219 milhões de 2016. Entre os pilares estratégicos que a empresa mostrou aos investidores está a aposta nas áreas-chave. A estratégia é "investir na expansão da rede de conveniência/proximidade", de forma a proteger a liderança do mercado do retalho alimentar em Portugal.
Além de manter o investimento, os mais de 20 mil investidores da empresas estão à espera que a Sonae continue a aumentar dividendos. Ângelo Paupério, co-CEO da empresa, sublinhou no relatório e contas trimestral que o objetivo era "manter um elevado nível de investimento" e sustentar "a política de remuneração acionista com dividendos que têm vindo a crescer 5% ao ano desde 2012".