Se há reis ladrões é questão muito arriscada." A frase, ao contrário do que parece, é já muito antiga. Vem de um tempo em que não havia deputados nem jornalistas no nosso Reino. E os gravadores de vozes nem sequer eram uma utopia. Talvez nem existissem no globo algibeiras como as conhecemos hoje. Mas que já se furtava, bem antes do parlamentar Ricardo Rodrigues desviar para o seu bolso o aparelho em que se registaram as palavras que antes proferira diante dos jornalistas da Sábado, sobre isso não restam dúvidas. "Certo é que os há e que não furtam ninharias." .Antes de se ir percorrer a Feira do Livro raramente se inscreve na lista das compras o clássico a Arte de Furtar, escrito, sob anonimato, no longínquo ano de 1652 - mas que, três séculos e meio volvidos, parece manter toda a sua actualidade. "Ladrões há dos quais podemos dizer que têm mais mãos que o gigante Briareu." Pouco importa se foi o Padre Manuel da Costa (já que, ao contrário do que se ventilou, procurando aproveitar a fama de outro autor e assim vender mais, não deve ter sido escrito pelo padre António Vieira), Tomé Pinheiro da Veiga, António de Sousa de Macedo, João Pinto Ribeiro, Duarte Ribeiro de Macedo, António da Silva e Sousa, D. Francisco Manuel de Melo ou outro qualquer tratadista, cheio de engenho e espírito, quem registou a arte do saque, da roubalheira, do surripianço. "Como se tiveram mil mãos, à dextris e à sinistris, não erram lanço." .Ofamoso livro - que tem o subtítulo Espelho de Enganos, Teatro de Verdades, Mostrador de Horas Minguadas, Gazua Geral dos Reinos de Portugal, Oferecida a El Rei Nosso Senhor D. João IV, para que a Emende - conheceu várias edições, muitas delas comentadas, prefaciadas, ilustradas. E, nos tempos que correm, deveria ser distribuído gratuitamente (ou furtivamente?) a todo o português, para se entender porque "é a arte de furtar muito nobre"..Ao percorrer com o olhar as bancas dos alfarrabistas da Feira do Livro talvez se descubra um exemplar da belíssima edição de 1970 com a chancela Afrodite - Fernando Ribeiro de Mello, comentários da Natália Correia e ilustrações do Eduardo Batarda. E, no entanto, talvez seja mais fácil cruzarmo-nos com um qualquer batedor de carteiras, com algum ilustre furtador de gravadores. E se por lá houver reis ladrões...