Clássicos de Hollywood renascem em Blu-ray
Há muito tempo que não assistíamos ao lançamento de tantos clássicos do cinema americano, para mais em cuidadas edições em Blu-ray: com chancela da editora Pris, através do seu catálogo Sony (que integra os clássicos da Columbia Pictures), passaram a estar disponíveis dez títulos que refletem três décadas da história de Hollywood - desde Não o Levarás Contigo (1938), de Frank Capra, o mais antigo, a Adivinha Quem Vem Jantar (1967), de Stanley Kramer, o mais recente.
Convenhamos que a pluralidade dessa história contraria a própria utilização da palavra "Hollywood". Quanto mais não seja porque entre os títulos agora editados encontramos duas obras monumentais do inglês David Lean - A Ponte do Rio Kwai (1957) e Lawrence da Arábia (1962) - que ilustram o período exógeno das chamadas "superproduções". Assim, Hollywood expandiu-se para outros contextos, não apenas na procura de cenários específicos para determinadas histórias, mas também porque as melhores condições de produção noutros países surgiam como uma maneira de compensar a transformação dos estúdios clássicos, dramaticamente afetados pela implacável concorrência da televisão. O prodigioso Lawrence da Arábia, em grande parte rodado em Marrocos e Espanha, constitui um símbolo exemplar desse período.
Os outros títulos da década de 60 refletem tal contexto através de elaboradas revisões críticas de modelos clássicos. O já citado Adivinha Quem Vem Jantar entrou mesmo para a história da cultura popular americana como um momento emblemático. Na sua típica estrutura de "comédia de costumes", a história da jovem branca (Katharine Houghton) que decide apresentar o namorado negro (Sidney Poitier) aos pais (Spencer Tracy e Katharine Hepburn) reflete a dinâmica de uma sociedade que, ao longo dos anos 60, viveu as convulsões das lutas pela igualdade de direitos civis.
Rita Hayworth & etc.
Dois filmes igualmente portadores de peculiares sinais de transformação são Major Dundee (1965), de Sam Peckinpah, com Charlton Heston, e Os Profissionais (1966), de Richard Brooks, com um elenco liderado por Burt Lancaster, Lee Marvin e Claudia Cardinale. Não por acaso, são westerns, ambos apostados em discutir convenções narrativas e simbólicas de muitos exemplos clássicos do género - o primeiro centrando-se na relação do exército com os índios, o segundo reavaliando os tempos da Revolução Mexicana. Isto sem esquecer Dr. Estranhoamor (1964), de Stanley Kubrick, implacável comédia negra sobre o uso da bomba atómica cuja atualidade política permanece imaculada - ironicamente, é também um exemplo da "transferência" de Hollywood para o estrangeiro, já que foi integralmente filmado nos estúdios Shepperton, nos arredores de Londres.
Resta lembrar as obras mais conhecidas e que ajudaram a definir a idade de ouro de Hollywood. O já citado filme de Capra, o primeiro em que dirigiu James Stewart, constitui um belo exemplo de uma matriz de "romance social" que ele depurou como ninguém. Gilda (1946), de Charles Vidor, é o exemplo perfeito do objeto de cinema que se confunde com a própria estrela que o domina: na sua mais lendária composição, Rita Hayworth impõe-se como modelo da "mulher fatal" e símbolo de uma sensualidade antinaturalista que contamina todos os elementos do espetáculo. Temos ainda Burt Lancaster, Montgomery Clift e Frank Sinatra em Até à Eternidade (1953), de Fred Zinnemann, e Marlon Brando em Há Lodo no Cais (1954), de Elia Kazan.
Todos os títulos da coleção (Very Classics) vêm acompanhados por um livrinho de duas dezenas de páginas, ajudando a contextualizar cada filme e a conhecer um pouco dos seus intérpretes e autores. Mesmo que possamos discutir algumas das suas considerações (ou precisamente por causa disso), é bom saber que há edições empenhadas em contrariar os clichés que reduzem os filmes "antigos" a curiosidades sem importância.