Professor de Direito Internacional Comparado da Universidade da África do Sul e profundo conhecedor da realidade política, económica e social sul-africana, André Thomashausen comenta as eleições gerais deste dia 8 de maio na África do Sul..No dia 8 os sul-africanos votam nas sextas eleições gerais desde o fim do apartheid. Há dois anos, nas eleições locais, o Congresso Nacional Africano (ANC) teve o seu pior resultado de sempre. Entretanto, Jacob Zuma, acusado de corrupção, foi substituído por Cyril Ramaphosa. O que mudou desde então no partido e que resultado acha que vai conseguir desta vez? A eleição de Ramaphosa pelo Parlamento lembra que o presidente sul-africano é uma espécie de primeiro-ministro que depende da maioria dos deputados. O Comité Nacional Executivo do ANC pouco mudou desde a demissão de Zuma e é hostil a Ramaphosa. Não reflete a maioria acidental ou oportunista que Ramaphosa conseguiu reunir no Congresso do ANC em 2017. Ramaphosa é obrigado a negociar o apoio maioritário do comité no dia-a-dia. Mas tem havido sucesso na administração pública. Muita corrupção tem sido descoberta e denunciada em público e muitos responsáveis irão a julgamento.E Ramaphosa, enquanto presidente, o que tem feito pelo país? Nomeadamente na parte da economia, do emprego, da igualdade de género e racial, do combate ao VIH/sida? Pouco conseguiu reformar em 15 meses. O desemprego aumentou. Há protestos violentos dia após dia. Os serviços de saúde nos hospitais públicos estão em colapso. A economia continua em declínio, mais de 80% dos municípios têm falta de liquidez e a totalidade das empresas estaduais estão contabilisticamente falidas. A promessa de atrair apoio financeiro externo falhou. Os países da UE adiaram as decisões sobre novos créditos e investimentos. No entanto, os grandes parceiros económicos deveriam entender que as reformas internas necessárias para reduzir barreiras ao investimento só serão possíveis na base do sucesso político de Ramaphosa e esse sucesso dependerá da recuperação económica..A maior ameaça ao ANC parece vir não da Aliança Democrática, maior partido da oposição, mas do Combatentes da Liberdade Económica (EFF). Segundo algumas sondagens, o partido liderado por Julius Malema deverá duplicar a percentagem de votos em relação a 2014. Onde está ele a ir buscar votos e como explica esta ascensão do ex-líder da Juventude do ANC, que foi expulso da formação por Zuma acusado de instigar ao ódio racial? A avaliar pelas últimas sondagens, o EFF vai atingir 15% dos votos. Mas a oposição de centro, a DA, vai poder aumentar o seu apoio nacional acima dos 20%. Há um partido novo interessante, apoiado pelas igrejas cristãs africanizadas, tais como as igrejas [evangélica] Shembe e [zione] ZCC, contando com perto de 20 milhões de fiéis. Trata-se do Movimento de Transformação Africana, poderá ter entre 3% e 5% e o ANC poderá aproveitá-lo para ter uma maioria parlamentar depois de 8 de maio, escapando assim a uma coligação com o EFF. Em alternativa, numa coligação ANC-EFF, Malema poderá subir ao lugar de vice-presidente e isso poderá delinear um futuro venezuelano para o país..Malema tem feito de Ramaphosa o seu principal alvo e afirmou: "Ele não vai cumprir o mandato até ao fim. O ANC vai vomitar alguém. E esse alguém é ele." Existe alguma hipótese de Ramaphosa ser substituído a meio do mandato presidencial? Dependerá do sucesso que o próximo governo de Ramaphosa conseguir produzir. Ramaphosa tem 66 anos e nesta campanha tem evidenciado cansaço e desilusão. O Ocidente que o empurrou para o confronto com Zuma negou-lhe o prometido plano Marshall para virar o destino do país. Além da desilusão europeia, a grande esperança de um apoio incondicional e generoso por parte da China, aliado dos BRICS, também se esfumou. Para Ramaphosa chegar ao termo normal do próximo mandato terá de potencializar o apoio europeu e reabilitar a confiança chinesa no futuro da África do Sul..O líder do EFF diz também que o atual presidente deveria ser preso por causa de Marikana (Ramaphosa era administrador não executivo do grupo britânico Lonmin quando a polícia matou 34 mineiros em protesto por melhores salários na mina de platina em Marikana). Acha que existe alguma hipótese de isso suceder? Não porque não existe causalidade em termos jurídicos entre a posição de Ramaphosa como sócio da empresa Lonmin e a ação policial que acabou por custar a vida a 34 trabalhadores ex-mineiros na empresa, mais alguns agentes da Polícia. Não há risco de processos legais contra Ramaphosa. Mas Ma lema explora a responsabilidade moral de Ramaphosa e é por aí que pensa poder retirar-lhe o apoio do Comité Nacional Executivo do ANC..A nível de política externa, Ramaphosa fez diferença no que toca às relações com países como o Zimbabwe ou o Sudão? A credibilidade e o prestígio da política externa da África do Sul têm destacado uma subida desde que a pasta foi assumida pela nova ministra Lindiwe Sisulu [filha do líder histórico do ANC Walter Sisulu], que está a reabilitar a moralidade da política externa da África do Sul. Compreende que a diplomacia é a arte de realçar o que os intervenientes têm em comum e não destacar as diferenças entre as nações. Nas relações com o Zimbabwe, a África do Sul tem recusado financiar as pretensões megalómanas de Emmerson Manangagwa. No Sudão mantém com sacrifício a sua contribuição para os esforços na manutenção de paz..Muito se tem falado do legado de Nelson Mandela. Em 2018, por ocasião do centenário do seu nascimento, o jornalista John Carlin, que o conheceu de perto e ao apartheid, disse-me numa entrevista que "na África do Sul a relação entre negros e brancos é melhor do que nos EUA". Concorda? O ANC profundo acusa Mandela de ter negado à nação o direito à vingança e aplaude o autoritarismo de Malema. A classe média na África do Sul ultrapassa os dez milhões de pessoas e despreza Malema, o seu EFF e os seus bonés e camisolas à la Chávez. Para evitar que os sonhos do ANC profundo venham a tornar-se pesadelos na África do Sul, o EFF tem de ser desmascarado, com os vastos e misteriosos recursos financeiros que Malema tem conseguido angariar, possivelmente a partir de uma extrema-direita racista internacional, apostadora na desestabilização e na destruição da África do Sul enquanto nação arco-íris.