Cisão no PD de Renzi dá fôlego a Grillo fragilizado por caos em Roma

Ex-primeiro-ministro diz que divisões são "presente" para o Movimento 5 Estrelas, mas ambos os partidos enfrentam problemas
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Quase uma década após a fusão de várias formações de esquerda no Partido Democrático (PD), a corrida à liderança partidária desencadeada pela demissão de Matteo Renzi está a expor as divisões internas que a coabitação forçada nunca conseguiu colmatar. O ex-primeiro-ministro italiano, que com o congresso espera calar a oposição, já tem dois adversários. Mas o que pode ser mais grave para as aspirações eleitorais, é a cisão de um grupo da corrente mais à esquerda. Quem poderia beneficiar seria o Movimento 5 Estrelas, mas Beppe Grillo está fragilizado pelo caos na governação da câmara de Roma.

"A crise italiana é uma crise de sistema político", disse ao DN o italiano Goffredo Adinolfi, investigador no ISCTE em Ciência Política, que vive em Portugal desde 2005. "Nos últimos dois ou três anos só se falou da reforma eleitoral, que depois foi chumbada, e pela reforma da constituição. Eram dois grandes projetos que não avançaram e aí abriu-se uma nova crise política", explicou, lembrando que Renzi dividiu bastante o partido.

"A palavra cisão é uma das piores que existe, mas há uma ainda pior, que é chantagem. É inaceitável para um partido estar bloqueado pelos ditames da sua minoria", disse Renzi após demitir-se, para forçar a corrida à liderança. As primárias estão marcadas para 30 de abril e o Congresso a 7 de maio. Renzi, que por estes dias está nos EUA afastado do caos, enfrenta dois adversários: o presidente da região de Apúlia, Michele Emiliano, e o ministro da Justiça, Andrea Orlando. "Este não é o fim do PD, é muito provável que quando haja eleições primárias, que são abertas em Itália, Renzi ganhe com alguma facilidade", explicou Adinolfi. As sondagens dão 60% dos votos ao ex-primeiro-ministro.

Emiliano ainda pensou deixar o partido, mas acabou por recuar. Contudo, um grupo que representa a corrente mais à esquerda, impulsionado pelo ex-líder do PD, Pier Luigi Bersani, e pelo ex-porta-voz na Câmara dos Deputados, Roberto Speranza, optou pela rutura. O presidente da Toscana, Enrico Rossi, deverá acompanhá-los. Este grupo, se conseguir formar um partido a tempo das eleições, pode ter entre 5% e 8% dos votos. "A questão é perceber que deputados ou dirigentes vão escolher o caminho da incerteza, porque sair do partido é correr o risco de não ser reeleito", indicou o investigador italiano.

A primeira sondagem pós-anúncio da cisão mostra o PD a perder 2,3 pontos percentuais, ficando por apenas três décimas à frente do Movimento 5 Estrelas, que numa pesquisa surge à frente por 0,8 pontos. "Ó Beppe, que belo presente estamos a dar-te só a falar de nós próprios", afirmou o ex-primeiro-ministro, que é acusado pelos opositores de trazer o PD para o centro, ignorar os italianos que rejeitaram de forma esmagadora o seu referendo em dezembro, e querer transformá-lo no PDR: o partido de Renzi.

Para o pai fundador do PD, Walter Veltroni, as divisões e cisões significam "um regresso ao passado" de uma esquerda fragmentada e condenada às suas lutas internas. Já para Romano Prodi, ex-líder do partido que foi presidente da Comissão Europeia e primeiro-ministro italiano, isto equivale a um "suicídio", já que a alteração das regras eleitorais (para um escrutínio proporcional) poderá abrir a porta ao Movimento 5 Estrelas ou à direita populista da Liga Norte.

O partido de Beppe Grillo esperava que a conquista da câmara da capital italiana pudesse ser a rampa de lançamento para o governo. Mas Virginia Raggi, a advogada de 38 anos e pouca experiência política que assumiu a presidência da autarquia, tem sofrido revés atrás de revés e já perdeu nove membros da sua equipa. O último, o chefe do planeamento urbano, Paolo Berdini, depois de ter sido apanhado a dizer que Raggi era "incompetente" para estar à frente da câmara.

A própria Raggi está a ser investigada por abuso de poder e falso testemunho, podendo ser condenada a três anos de prisão. Em causa está a nomeação para a secretaria de Turismo da cidade do assessor Renato Marra, irmão de um antigo funcionário acusado de corrupção em dezembro. Nessa altura, a presidente da câmara negou ter sido ela a contratar Marra, contudo foi depois encontrada uma mensagem no seu telemóvel a discutir o salário dele. Apesar da polémica, Grillo (que assumiu praticamente a câmara de Roma) mantém a confiança em Raggi, que ontem foi hospitalizada depois de se ter sentido mal.

Resta saber o impacto que terá para o partido este caso, assim como no recuo do partido em exigir a saída da Itália da União Europeia e do euro. A previsão é que o candidato às eleições gerais seja Luigi di Maio, considerado mais moderado que o ex-comediante, mas a candidatura deste não está ainda totalmente afastada. Uma coisa é certa, mesmo se conseguir uma vitória, o partido de Grillo poderá não chegar ao poder, já que recusa fazer coligações e a lei eleitoral está feita para favorecer as alianças. Um partido precisa de mais de 40% dos votos para ter um bónus de maioria e governar sozinho.

Na outra ponta do espectro político, mas também populista, é a Liga Norte e o seu líder, Matteo Salvini. O objetivo do partido é desempenhar um papel fundamental no próximo governo ou até mesmo liderá-lo, aproveitando as divisões à esquerda. A Liga Norte, que defende a expulsão dos imigrantes, a saída do euro e já foi aliada de Berlusconi, espera fazer novas alianças pré-eleitorais para garantir o regresso da direita ao poder. Apesar de Berlusconi continuar envolto em problemas com a justiça e estar proibido de concorrer (aguarda uma decisão de justiça europeia), nenhum outro nome tem a força do ex-primeiro-ministro, e a sua Força Itália é a quarta nas sondagens a par da Liga Norte.

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