CinemaScope: um ciclo de cinema maior que a vida

"Em Largura: O CinemaScope" é um dos ciclos que marcam o próximo mês. Imagens em formato anamórfico de James Dean, Jeanne Moreau e Brigitte Bardot, entre outros
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Uma mulher cavalga velozmente numa planície. Atrás dela seguem quarenta pistoleiros ao mesmo ritmo de cavalgada, como que imbuídos de um espírito heroico: este início é de cortar a respiração e pertence a Forty Guns (1957), western de Samuel Fuller liderado por uma tremenda Barbara Stanwyck, cuja ação enérgica e pujante toma conta do ecrã, conferindo pleno sentido ao uso do CinemaScope. A isto se chama cinema maior do que a vida. E o filme é uma das propostas da Cinemateca para fevereiro, que integra uma programação subordinada ao tema dos formatos cinematográficos. Neste mês em que dois ciclos dialogam através dos conceitos técnicos da imagem, com uma contextualização histórica assegurada pelo especialista Jean-Pierre Verscheure, destacamos aquele que remete para essa ideia de um cinema de grandeza. O ciclo intitula-se "Em Largura: O CinemaScope", e reúne 12 obras, americanas e europeias, rodadas nesse específico processo anamórfico criado pelos estúdios Fox.

Para perceber como, por exemplo, o filme que eternizou James Dean - o icónico Fúria de Viver (1955), de Nicholas Ray, um dos indispensáveis deste programa - nasceu dessa conceção de grande escala para retratar a juventude americana do pós-guerra, importa com- preender como tal formato surgiu para contrariar uma época de secundarização do cinema face ao ecrã caseiro.

A verdade é que os anos 1950 representaram um desafio para a indústria de Hollywood. Logo no início da década, a aquisição de aparelhos televisivos chegava aos cinco milhões, diminuindo substancialmente a frequência das salas de cinema. Por todo o território norte-americano, estas fechavam as portas ao ritmo de três por dia, e a única resposta possível a esse fenómeno estava, de forma cabal, na tecnologia Assim, o aparecimento do CinemaScope representa nada mais nada menos do que o progresso ditado por uma conjuntura socioeconómica. A sua inauguração ficou assinalada pelo épico histórico A Túnica (1953), de Henry Koster, com Jean Simmons e Richard Burton, no qual se espelha a grandiloquência e ambição da indústria, por sinal, com a promessa bem explícita nas letras do cartaz: "O milagre moderno que se vê sem óculos!"

A propósito, milagre é uma palavra que se pode aplicar a outro dos títulos que encontramos neste ciclo: O Tesouro do Barba Ruiva (1955), deslumbrante obra-prima de Fritz Lang, no espírito da literatura de Robert Louis Stevenson, sobre a amizade entre um menino órfão e um contrabandista, que se juntam na busca de um diamante. Mas a colheita também se faz de notáveis produções europeias. Veja-se A Grande Pecadora (1963), de Jacques Demy, realizador que ainda não tinha mergulhado de cabeça nos musicais, e aqui dirige Jeanne Moreau numa elegante narrativa de casino, ouE Deus Criou a Mulher (1956), de Roger Vadim, que faz de Brigitte Bardot o símbolo da liberdade feminina, antecipando a mudança de costumes da sociedade francesa.

E porque a diversidade de géneros é uma das preocupações do ciclo, descobrimos ainda, entre as escolhas, a fantasia musical de Vincente Minnelli, Brigadoon: A Lenda dos Beijos Perdidos (1954), com o par Gene Kelly e Cyd Charisse num dos mais encantadores bailados do cinema; a adaptação, por Richard Brooks, da peça de Tennessee Williams Sweet Bird of Youth, com um jovem Paul Newman no papel de gigolô; para além do magnífico melodrama de Leo McCarey O Grande Amor da Minha Vida (1957). Protagonizado por Deborah Kerr e Cary Grant, este último trata-se de uma segunda versão de Love Affair (1939), também realizado por McCarey, então com Irene Dunne e Charles Boyer, sobre um belo romance que acontece durante uma viagem de barco. Uma daquelas histórias de amor que inspiraram e continuam a inspirar o clássico romantismo hollywoodiano. Vê-lo no grande ecrã é experienciar o amor maior do que a vida.

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