Cinco ministérios, cinco avaliações

Saúde, Defesa, Educação, Administração Interna e Justiça são os ministérios analisados
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Saúde: Polémicas ensombram medidas tomadas há anos

Com um dos maiores orçamentos setoriais (em 2018 vai gerir 10,3 mil milhões de euros, mais 360 milhões do que no ano anterior), o ministro da Saúde é também dos que tem sofrido maiores pressões políticas e corporativas nos últimos tempos: primeiro com as principais classes profissionais da área a protestarem por melhorias salariais e nas carreiras; depois com a crise da legionela, com um surto que teve início num hospital público, o São Francisco Xavier, a infetar 56 pessoas, já com cinco mortes; e agora com uma confusão processual com o anúncio da mudança do Infarmed de Lisboa para o Porto, que culmina um outro processo não menos confuso que terminou com a troca da capital pelo Porto como candidato a receber a Agência Europeia de Medicamentos. Mas antes disso, nesta primeira metade de legislatura, Adalberto Campos Fernandes destacou-se pela concretização, em maio de 2016, da lei de liberdade de escolha, que permite aos doentes decidirem em que hospital querem ter uma primeira consulta de especialidade (utilizada por mais de 10% dos utentes que delas precisaram). E esta não foi a única medida falada há muitos anos (em alguns casos, décadas) passada à prática pelo atual ministro: o lançamento oficial do projeto do Hospital de Lisboa Oriental (ex-Todos-os-Santos) e a publicação da regulamentação dos Centros de Responsabilidade Integrados, que já no início do próximo ano devem revolucionar as equipas hospitalares, a serem pagas em função do número de cirurgias ou consultas realizadas, foram outros exemplos. Pelo meio, tentou trazer mais transparência ao SNS, mas debate-se agora com o desafio de reduzir os tempos de espera para cirurgias, que atingiram no ano passado níveis máximos desde 2011, e de reduzir cativações e investir nas infraestruturas, depois de a Ordem dos Médicos ter alertado que grande parte do material dos hospitais está fora de prazo. P.V.L.

Defesa: Um ministro sem experiência numa área de porcelana

Esta área parecia uma espada de Dâmocles sobre o governo PS, por estar fora do acordo com a dupla BE/PCP e dada a rejeição intrínseca destes partidos à NATO. Mas esta vulnerabilidade da geringonça, repetida como uma certeza, acabou por não se materializar. A prioridade dada às missões no exterior sob a bandeira da ONU contribuíram para adormecer essa divergência - que só ressurgiu há poucas semanas e por causa da UE, com a aprovação do mecanismo de cooperação estruturada permanente, que a oposição diz ser o embrião do Exército europeu.

A escolha de Azeredo Lopes para ministro da Defesa, substituindo de emergência João Soares, foi recebida com surpresa. Já o seu desempenho do cargo não surpreendeu os militares: consideram-no tão mau como os antecessores. A verdade é que a inabilidade política de Azeredo Lopes dificultou-lhe o exercício do "poder de direção" sobre uma corporação que, por vezes, ainda ignora ou faz o contrário do que são as orientações dadas pelo poder político e é determinado pela Constituição e a lei.

A falta de experiência política notou-se na forma como lidou com o caso do Colégio Militar (levando à demissão do chefe do Exército) ou como geriu o furto de material de guerra em Tancos. Embora dando continuidade às linhas gerais da reforma aprovada pelo governo anterior, Azeredo Lopes parou a privatização das indústrias de Defesa. Depois, em matéria de reequipamento, acelerou a execução da Lei de Programação Militar - a rever em 2018 - e tomou uma decisão importante: os concursos são agora feitos através da NATO.
Por resolver continuam os problemas de cariz social que afetam os militares, à cabeça dos quais estão as dificuldades do Hospital das Forças Armadas (HFAR) e do Instituto de Ação Social (IASFA).
MCF

Educação: Currículos são a única área ainda intocada

A medida mais rapidamente concretizada pelo atual governo foi a extinção das provas do 4.º e 6.º anos de escolaridade. Uma decisão onde, de resto, foi além do que previa o programa do governo, no qual se previa apenas "reavaliar" a pertinência destas provas. Outra prova que caiu, dando cumprimento ao projetado nas linhas orientadoras para a legislatura, foi a PACC, que era imposta aos docentes contratados que pretendessem o ingresso na carreira. As medidas de combate ao insucesso escolar, nomeadamente a elaboração pelas escolas de Planos de Promoção do Sucesso Escolar também estão atualmente disseminadas, tal como a gestão flexível dos currículos, a qual poderá tornar-se universal no próximo ano letivo. Onde o governo menos mexeu, em termos de estratégia para a Educação, foi na estrutura dos próprios currículos. O programa de governo contemplava "uma gestão mais integrada do currículo" e "reduzindo a carga disciplinar dos alunos" mas nenhum dos desígnios foi até agora concretizado. O facto de as "metas" de aprendizagem elaboradas por Nuno Crato continuarem em vigor - ainda que atenuadas pela margem que foi dada às escolas para gerirem uma parte dos currículos -, demonstra a distância que a política educativa a este nível ainda tem face ao que eram as intenções iniciais. No que respeita aos professores e às escolas, a promessa de dar maior estabilidade e melhores condições de trabalho tem vindo a ser progressivamente implementada, ainda que a um ritmo mais lento do que estes pretenderiam. No lado dos professores, desapareceu a polémica Bolsa de Contratação de Escola, que era um fator de tensão e de atrasos no início dos anos letivos, e deu-se continuidade à vinculação de contratados, com mais de 3000 entradas. Para os alunos, surgiram manuais gratuitos e a promessa de turmas menores em 2018. PST

Administração interna: tensão aumenta nas polícias

Portugal, um dos países mais seguros do mundo, é uma frase que tem sido repetida pelos governantes e que faria pensar que isso se deve ao facto de termos as polícias mais bem equipadas, justamente remuneradas e com instalações à altura. Mas não é assim, nunca foi e nos últimos dois anos a situação piorou muito, de acordo com testemunhos que têm vindo a público de dirigentes sindicais. Se com a troika as forças de segurança também foram obrigadas a apertar o cinto, o cenário agora não é diferente. "Se a crise acabou alguém se esqueceu de avisar as polícias", dizia ao DN o presidente do Sindicato dos Oficiais da PSP, quando olhou o orçamento para 2018 desta força de segurança. "Mau de mais para ser verdade", criticou. Progressões na carreira atrasadas e a conta-gotas, regras estatutárias por cumprir, falta de equipamento de proteção, falta de gente, incapacidade dos vários governos em substituir polícias em trabalhos administrativos e de apoio por civis, os problemas somam-se e agravam-se. A frustração e revolta foram evidentes na última manifestação promovida pela comissão coordenadora permanente, que junta os maiores sindicatos das forças e serviços de segurança. "Estes dois anos foram de total marasmo, não tendo sido decidido nada do que era fulcral para os profissionais de polícia", sintetiza Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP). O recém-chegado ministro Eduardo Cabrita ainda não mostrou com que cartas vai jogar neste setor da segurança, tendo estado, por força das circunstâncias, dedicado com o maior empenho no setor da Proteção Civil, onde o orçamento mais vai crescer no próximo ano. No Sistema de Segurança Interna, embora seja da tutela do primeiro-ministro, Cabrita tem dado sinais de proatividade, ao mobilizar as polícias, incluindo PJ, no combate aos roubos nos ATM. VM

Justiça: Sensibilidade mas pouca execução

"Mais abertura ao diálogo para se encontrarem soluções, respeito pelos magistrados e maior sensibilidade a algumas das propostas dos magistrados", sintetiza António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, destacando o que considera positivo nestes dois anos de governação da Justiça, tutelada pela procuradora Francisca van Dunem. Acrescenta ainda à "lista" a discussão do estatuto e a abertura dos concursos para novos juízes (um para 84 magistrados, outro para 56), com um número de vagas que "representa uma grande melhoria, face aos últimos anos". Do outro lado da moeda, no entanto, estão dois anos que passaram "sem terem sido concretizados aspetos estruturantes do setor: nenhum dos estatutos, dos magistrados do MP, dos juízes, dos oficiais de justiça, da PJ, nem sequer ainda se fizeram as necessárias adaptações à nova lei de organização judiciária, aprovada já em 2014". Ventinhas lamenta que a Justiça "continue a não ser uma área prioritária do poder político", uma ideia corroborada pela presidente da Associação Sindical dos Juízes, Manuela Paupério. Para a magistrada, que também valoriza "a abertura do governo para negociar", tem-se governado a olhar "para as estatísticas, para uma justiça em quantidade, menos que em qualidade". Manuela Paupério lembra que a revisão do estatuto dura há dois anos e lamenta que em dois anos deste governo "ainda não haja estatuto aprovado, essencial para melhorar as condições de trabalho e carreira dos juízes". A representante dos juízes constata que o primeiro-ministro "tem votado os juízes a um completo ostracismo, mantendo-os a margem das prioridades políticas. Nem sequer foi ao nosso congresso". Outro setor da Justiça que tem estado em "guerra" com o governo são os guardas-prisionais - fizeram greve no mês passado. VM

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