No universo das organizações de economia social (associações, fundações, cooperativas, etc.) existe um órgão que exerce funções de governação ongoing, tais como zelar pelo cumprimento das finalidades estatutárias, definir políticas sólidas e orientar estrategicamente a organização. É o que geralmente denominamos de "direção", "conselho de administração", "mesa administrativa", etc..Não sendo novo o debate, são vários os fóruns onde se têm discutido as dificuldades que este órgão por vezes enfrenta de forma a responder com sucesso aos desafios atuais que se colocam às organizações de economia social e aos objetivos ambiciosos do setor..Muito tem sido feito ao nível do desenvolvimento de projetos de intervenção inovadores, do fortalecimento do trabalho em rede, da conceptualização e sistematização de práticas e do reforço de competências no setor. A título de exemplo, apenas nos últimos seis anos, não considerando os seminários ou as ações de formação curtas, mais de 900 pessoas concluíram cursos avançados de média duração (60 horas) em gestão para dirigentes e cerca de 350 frequentaram os cursos longos (mais de 180 horas) de Pós-Graduação promovidos pela ATES - Área Transversal de Economia Social da Universidade Católica Portuguesa no Porto. A aposta que o setor tem feito na capacitação é extensa, mas ainda há caminho a percorrer em várias temáticas, como é o caso da governação..Fruto das múltiplas discussões construtivas que temos tido com vários dirigentes, técnicos-superiores e especialistas na área da economia social, é possível arriscarmos, pelo menos, cinco desafios práticos que se colocam às direções estatutárias e ao seu funcionamento..1. Os membros das direções parece carecerem frequentemente de um entendimento comum sobre o significado de boa governação. Não poucas vezes aceitam assumir este papel sem a compreensão clara e global dos compromissos subjacentes, e a sua integração raramente inclui uma discussão aprofundada sobre o papel deste órgão, as responsabilidades implícitas do exercício da governação e como a direção se deve organizar para cumprir essas mesmas responsabilidades. A débil formação inicial e a insuficiente formação contínua dos seus membros tendem a conferir pouco reconhecimento à governação e prejudicam, logo à partida, a capacidade de a direção ser uma mais-valia real na condução eficaz da organização..2. As direções nem sempre são compostas por perfis diferentes e complementares. Muitas direções são formadas sem critérios de diversidade e inclusão, mesmo sendo comummente aceite que um corpo diverso e vigoroso a trabalhar à volta de uma mesa é muito mais eficaz que um "pensamento único". Os critérios de escolha dos membros da direção não incluem muitas vezes a representação da comunidade, nem a priorização de pessoas com competências profissionais em áreas distintas mas complementares tais como o marketing, a tecnologia ou outros atributos relevantes para a governação..3. A debilidade dos processos contribui significativamente para uma governação pouco efetiva. A insuficiente qualidade de informação sistematizada e a falta de indicadores-chave de desempenho não permitem que as decisões sejam suficientemente informadas. Acresce que, não poucas vezes, a distribuição dos assuntos a serem debatidos nas reuniões de direção são planeados a curto-prazo, concentrando-se excessivos assuntos urgentes e pesados para a mesma reunião, que retiram tempo a tópicos de suma importância e estratégicos. Mais, débeis competências de moderação não ajudam à eficiência das reuniões e criam as condições necessárias para a dispersão e para "falsos consensos"..4. Confusão entre o papel da direção e o da gestão. A separação da governação e da gestão envolve uma divisão de funções e, como regra geral, podemos dizer que a gestão conduz a organização no dia-a-dia, enquanto a direção estabelece as políticas, exerce supervisão, e orienta estrategicamente a organização. Naturalmente, isto não significa que o diretor executivo ou a equipa não tenham influência na estratégia adotada ou que os membros da direção nunca contribuam ao nível do dia-a-dia. O que isto significa é que há uma fronteira muito importante entre estas duas áreas, que deve ser ciosamente guardada. O que algumas vezes se vê é pouco equilíbrio. Por um lado, encontramos direções invisíveis que transferem para os ombros dos diretores executivos ou técnicos excessivas responsabilidades e carga pesada, e por outro lado, direções voluntaristas que ultrapassam os limites e se envolvem demasiado nas atividades quotidianas da organização, desviando o tempo de assuntos de governação mais apropriados..5. As direções têm pouca prática de avaliar regularmente o seu próprio funcionamento e o desempenho de governação. Tal como se verifica a nível internacional (BoardSource 2021 Leading with Intent), Portugal não parece ter a maioria das direções a realizarem autoavaliações sobre o seu próprio desempenho. Sabemos que ainda são poucas as ferramentas de apoio existentes em língua portuguesa, contudo, é certo que quem avalia regularmente, mesmo que através de dinâmicas relativamente informais (ainda que estruturadas), tem o potencial de ter um melhor desempenho sobre as principais responsabilidades de governação do que as direções que não o fazem..É certo que a governação no setor da economia social se tem vindo a tornar mais exigente e que os problemas descritos não são exclusivos deste setor. As organizações deparam-se com mudanças socioculturais aceleradas, com uma complexidade que exige modelos de gestão cada vez mais sofisticados, adaptações tecnológicas que obrigam a investimentos significativos, maior necessidade de transparência e prestação de contas, etc..Num mundo que não para....E também é certo que há muitos bons exemplos de direções estatutárias que são verdadeiros "lemes" de humanidade e profissionalização e que combinam um fortíssimo sentido de entrega e de missão com competências de governação notáveis., num setor em que se fazem coisas extraordinárias todos os dias e em que a generosidade abunda, a começar por direções dedicadas que não recebem remuneração..Mas é preciso continuarmos a olhar para os desafios de frente, estes e outros. É preciso investigar, debater, criar ferramentas, reforçar competências. Só assim continuaremos a melhorar..Filipe Barros Pinto, Área Transversal de Economia Social da Universidade Católica Portuguesa no Porto.