Cimeira da Amazónia mostra Lula em conflito com Lula
Ao impulsionar a Cimeira da Amazónia, o presidente brasileiro abriu caminho para que os oito países envolvidos tomem uma posição comum na próxima conferência sobre o clima (COP), embora a mesma tenha terminado sem metas definidas em prol do "pulmão do mundo". Contudo, também expôs as incoerências do discurso de Lula da Silva sobre a defesa do meio ambiente.
Em declarações no final da cimeira, o líder do Brasil assestou baterias contra a União Europeia. "Não podemos aceitar um neocolonialismo verde que, a pretexto de proteger o meio ambiente, impõe barreiras comerciais e medidas discriminatórias, desrespeita os marcos regulatórios e as políticas nacionais." A crítica é dirigida a Bruxelas, que em março enviou aos países do Mercosul - Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, além da Venezuela que se encontra suspensa e da Bolívia que está em processo de adesão - uma carta anexa ao acordo de comércio e na qual exige garantias ambientais aos estados sul-americanos.
Essas garantias poderão entrar em choque, por exemplo, com o projeto da Petrobras de explorar jazidas de petróleo na bacia da foz do rio Amazonas. Apesar de o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) ter negado a concessão da respetiva licença, Lula da Silva disse na semana passada que a petrolífera "pode continuar sonhando" porque a decisão não é definitiva. "E eu também quero continuar sonhando", declarou.
Talvez por esse motivo os 113 pontos da declaração de Belém são omissos aos combustíveis fósseis. Para o porta-voz da Greenpeace Brasil Marcelo Laterman, Lula não pode estar na frente da luta ambiental e ao mesmo tempo defender a exploração de petróleo naquela região. "O Brasil deve alinhar-se ao movimento de países sul-americanos, como Colômbia e Equador, que estão questionando a exploração de petróleo na Amazónia. São nações onde as populações tradicionais lutam há décadas contra os impactos brutais da atividade em seus territórios, com constantes e graves episódios de vazamento e contaminação", disse Laterman.
O Brasil quer acabar com o desmatamento até 2030, mas a Bolívia e a Venezuela nem sequer são signatários do acordo internacional de 2021 de combate à desflorestação. O colombiano Gustavo Petro deseja pôr fim a novas explorações petrolíferas, mas como já foi referido os anfitriões têm outros planos.
Citaçãocitacao"Não é uma contradição total? Uma floresta que extrai petróleo? É possível manter uma linha política desse nível, apostar na morte e destruir a vida?" Gustavo Petro
Com as divergências à mostra, a declaração de Belém - em referência à cidade capital do estado do Pará em que a cimeira decorreu - estipula que cada país membro do Tratado de Cooperação Amazónica fica responsável pelas suas metas.
A declaração deixou os ambientalistas e indígenas insatisfeitos, ao não comprometer os países participantes com objetivos. "O planeta está a derreter, todos os dias são batidos recordes de temperatura... Não é possível que oito líderes da Amazónia não tenham colocado numa declaração, em letras garrafais, que a desflorestação deve ser zero", afirmou Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, uma rede de ONG brasileiras. "Não há decisões concretas, só uma lista de promessas", lamenta.
De concreto, o documento com dez mil palavras promete a criação do Painel Intergovernamental Técnico-Científico da Amazónia, um órgão inspirado no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU e que deverá produzir relatórios e uma reunião anual; bem como de um Centro de Cooperação Policial em Manaus.
O mesmo Lula da Silva que criticou o "neocolonialismo verde" apelou depois para que os países desenvolvidos paguem para salvar a Amazónia. "Vamos à COP28 - que vai decorrer no Dubai - com o objetivo de dizer ao mundo rico que se quiserem preservar efetivamente o que existe de floresta, é preciso colocar dinheiro, não apenas para cuidar da copa da floresta, mas do povo que mora lá."
Lula chegou à presidência com o objetivo de reverter a destruição desenfreada da Amazónia que herdou de Jair Bolsonaro - chegou a culpar os ambientalistas do desmatamento -, mas o líder do PT não tem um currículo verde. Foi na sua primeira passagem pela presidência que premiou os ocupantes ilegais da Amazónia - os mesmos que invadiram, queimaram ou desmataram, por vezes com uso da violência, até 2004 - ao transferir as terras públicas para os invasores, conhecidos como grileiros.
Também foi Lula quem impulsionou a construção da barragem do Belo Monte, no Pará, cujo impacto levou a que se considerasse um dos maiores crimes ambientais e sociais no país.
cesar.avo@dn.pt