Cidade em mudança constante
Apressão imobiliária sobre o centro histórico de Macau, em resultado da liberalização do jogo, em 2002, foi um "fenómeno imprevisto" e que serve agora como aviso para o que poderá acontecer em Coloane, defendem especialistas.
"Quando se falou inicialmente no alargamento das licenças de jogo, não estávamos a prever a construção de novos empreendimentos turísticos tão junto ao centro da cidade", queixa-se Sales Marques, o último presidente do antigo Leal Senado, substituído em 2002 pelo Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais.
Visto de baixo, quase se parte o pescoço para alcançar os 40 andares do casino Grand Lisboa, da Sociedade de Jogos de Macau, de Stanley Ho, um edifício espelhado em forma de flor de lótus, assente numa espécie de ovo deitado com oito andares. O impacto da obra é grande, sobretudo porque não há muitas ruas em Macau de onde ela não possa ser vista.
De noite, o edifício é um caleidoscópio que se destaca da concorrência, de recorte mais discreto, mas copiado de Las Vegas, como os casinos Wynn, Sands e MGM, mas de manhã, com a habitual neblina, o Grand Lisboa parece uma nave espacial não muito longe da velha fachada das seculares ruínas de São Paulo. E começa aí outro problema.
Classificado como Património Mundial pela UNESCO em 2005, o centro histórico da antiga Cidade do Nome de Deus resiste mas sufocado à explosão da construção civil que resultou da liberalização do jogo.
Um dos exemplos negativos é o do cerco dos arranha-céus ao Farol da Guia, o mais antigo na costa chinesa, mas também o emparedamento da histórica avenida Almeida Ribeiro pelos casinos Grand Lisboa, a sul, e Ponte 16, a norte, suscita preocupações sobre o que vai resultar da convivência entre o desenvolvimento e o património.
"Algumas medidas de planeamento precisam de ser tomadas para se atenuar a deterioração da paisagem visual, disse no início do mês à Lusa o director do departamento de cultura da UNESCO para a Ásia-Pacífico, Tim Curtis, para quem o primeiro passo a dar no curto prazo é "impedir novas construções que tenham esse impacto".
O Governo de Macau prometeu rever a lei de protecção do património mas ainda não existe uma data para a sua implantação e, entretanto, surgem notícias de que o sector imobiliário olha com cobiça para Coloane, uma antiga ilha agora ligada à Taipa que se tem mantido à margem dos grandes projectos.
Em Setembro, o Governo anunciou a construção de seis mil apartamentos para 22 mil pessoas em Seac Pai Wan, o que aumentou a inquietação entre os que defendem a preservação do'tradicional 'pulmão verde' de Macau.
"Coloane precisa de uma abordagem científica para impedir o impacto da construção. Senão, a zona costeira de Hac Sa Wan (praia da Areia Preta) vai ficar idêntica à de Hac Sa (bairro da Areia Preta)", alertou então o arquitecto consultor Vizeu Pinheiro, referindo-se a uma das zonas de maior densidade populacional do mundo, junto da fronteira com a China.