Há um ano, a África do Sul declarava estado de emergência. A seca tinha atingido valores recorde e, em particular, na Cidade do Cabo medidas urgentes exigiam-se. O valor das reservas de água, que vinha a descer desde 2015, passara de 70% para o nível mais baixo das últimas décadas: 24,7%. Associações locais aumentaram as ações de sensibilização e o controlo ao consumo de água foi ainda mais apertado. Entre as várias restrições, a água disponível para os residentes foi reduzida a um limite de 50 litros por dia, proibiram-se lavagens de automóveis. A mostrar o contraste que caracteriza a Cidade do Cabo, onde vivendas de luxo vedadas com arame farpado e bairros de lata se separam apenas por uma estrada, outra medida: foram limitadas as irrigações tanto a campos de golfe como a campos agrícolas..Apesar de todos os contrastes, numa região que enfrenta um aumento da seca e onde nos últimos quatro anos os registos de chuva são abaixo da média, quando começa a pingar todos sorriem. Ainda antes de aterrar, lá de cima a paisagem não esconde o que se vive. Há rios sem água e vegetação praticamente sem cor..Em entrevista ao DN, Manny de Freitas, deputado no Parlamento sul-africano, destaca o impacto no setor agrícola. "Os agricultores foram quem mais sofreu, com uma quebra gigante na produção e a perda de 30 mil empregos num setor que emprega 340 mil pessoas e representa 10% do PIB da região", diz..Rezar para que chova.O português Alexandre Santos, engenheiro, está na África do Sul há 42 anos e conta como a situação que viveu na província de Gauteng, em Joanesburgo, não foi tão dramática como a vivida na Cidade do Cabo. Ainda assim, algumas das restrições foram alargadas à quase totalidade do país, como a lavagem de carros e a irrigação de jardins, e sujeitos a taxas de penalização consoante os níveis de consumo de água. "As autoridades alertaram-nos para o risco de um corte total, aconselhando-nos a uma melhor gestão diária", e acrescenta que "houve quem instalasse tanques de água com capacidade de 2000 litros para se precaver contra a possibilidade de haver um corte total declarado a nível nacional"..Na Cidade do Cabo, ninguém esquece aquele fevereiro de 2018, em que há mais de um mês que não chovia. "Hoje não está muito bonito, mas é por uma boa causa. Precisamos de chuva", contava-nos Sisa Kulati, empregado de mesa num restaurante em Camps Bay, uma das zonas mais ricas e carismáticas da cidade. Mesmo assim, Sisa olhava lá para fora e sorria, com as mãos no peito: "Gosto muito de trabalhar aqui. Adoro a vista do restaurante para a praia.".Rezava por chuva e mostrava-se confiante no futuro da sua cidade, acreditando que esta não iria ficar sem água - "Este ano [2018] parece estar safo." E os próximos? Riu-se, mas nem pensa muito nisso. Os hábitos já tinham mudado. Sisa vivia com mais 400 mil pessoas em Khayelitsha, a maior e uma das mais pobres townships da Cidade do Cabo. "Já ninguém deixa a torneira aberta, com água a correr, mas quem sofre mais com esta crise é a população desfavorecida", contava..Mas a falta de água não era para todos. No Victoria & Alfred Waterfront, onde o antigo porto está transformado numa das zonas mais modernas, há uma marina com luxuosos iates atracados, lojas e restaurantes para carteiras pesadas. No hotel onde ficámos, nesta mesma zona, os avisos para a crise quase passavam despercebidos: alguns autocolantes espalhados, funcionários com "Save Water" nas T-shirts e pouco mais. O controlo do consumo de água não era feito de forma alguma..Para dar a perspetiva: um banho de dois minutos equivale a cerca de 20 litros de água e, nessa altura, a população nas townships fazia filas para encher garrafões..Um ano depois: como nem tudo mudou.O Day Zero (Dia Zero), dia em que as torneiras da cidade iriam ser fechadas, foi sendo adiado com a lenta recuperação. A última data estava prevista para abril de 2018, mas nem em junho chegou a acontecer. A época das chuvas regressou e a consciencialização da população também mudou..Em outubro do ano passado, os níveis das reservas de água subiram até aos 70% e, desde o passado dia 1 de dezembro, o limite ao consumo diário de água foi aumentado para 105 litros por pessoa..Atualmente, a dessalinização tem capacidade de produzir 16 milhões de litros de água potável por dia, numa altura em que o consumo da cidade já ronda - de novo - os 600 milhões diários. A contribuição destas infraestruturas tem pouca expressão e o impacto ambiental nas zonas costeiras e custo de energia são algumas das barreiras para o desenvolvimento da tecnologia..O governo da Cidade do Cabo acredita que "a extração de água dos solos é mais rápida e barata de implementar, com a vantagem de que a água não evapora". No entanto, a cidade quer "enfrentar as futuras alterações climáticas com as três soluções em funcionamento: furos, reutilização e dessalinização"..Mas este é um problema global. Em março de 2018, em entrevista ao DN, o presidente do Conselho Mundial da Água avisava que "em todos os continentes há regiões sujeitas a situações de escassez hídrica, assim como excesso de chuva, que, por sua vez, provoca inundações". Benedito Braga explicava que atualmente existe "uma variabilidade maior da precipitação, que causa secas e inundações maiores", o que torna "a situação da escassez mais visível". Para o presidente, é importante pensar no investimento como valência fundamental para a segurança hídrica.