Ciclo de supermarés associado a supercontinentes pode explicar evolução da vida
Para chegar a esta 'prova de conceito', a equipa baseou-se em modelos tectónicos de formação de supercontinentes e em modelos computacionais de formação de marés.
O ponto de partida para o estudo, recentemente publicado na revista científica Geophysical Research Letters, foi o oceano Atlântico, que neste momento "tem marés muito grandes" quando comparado com os oceanos Pacífico e Índico, disse à Lusa João Duarte, do Instituto Dom Luiz e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Ciclicamente, ao longo da história da Terra, a cada 500 milhões de anos, os oceanos fecham-se e os continentes juntam-se, formando um supercontinente.
Há 200 milhões de anos, quando os dinossauros habitavam a Terra, todos os continentes estavam ainda reunidos num supercontinente, a Pangeia, em que a América do Sul estava ligada a África. A Pangeia terá existido entre 540 e 200 milhões de anos, antes de se fragmentar.
Em 2016, João Duarte e outros cientistas apresentaram, como cenário provável, a formação de um novo supercontinente (depois do Pangeia), a que deram o nome Aurica, que ocorreria dentro de 300 milhões de anos como resultado do fecho simultâneo dos oceanos Atlântico e Pacífico.
No novo supercontinente, o núcleo seria formado pela Austrália e pela América, que estariam ligadas, daí o nome Aurica atribuído ('Au' de Austrália e 'rica' de América).
A hipótese da formação de um supercontinente a partir do fecho dos oceanos Atlântico e Pacífico baseia-se na "evidência de que novas zonas de subducção se estão a propagar no Atlântico", avançava a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
As zonas de subducção (locais onde uma placa tectónica mergulha sob a outra) são requisitos para os oceanos fecharem.
No novo estudo, João Duarte, que coordenou a vertente geológica, e restante equipa, que engloba cientistas estrangeiros a trabalharem no Reino Unido, modelaram a formação das marés no Atlântico.
O oceano surgiu devido à fragmentação da Pangeia, o supercontinente que está na origem dos atuais continentes (África, Ásia, América, Europa, Oceânia e Antártida).
Há 200 milhões de anos, as marés do Atlântico eram muito baixas, ao passo que nos últimos cinco a dois milhões de anos eram muito altas. Próximo da formação do 'novo' supercontinente Aurica, voltam a descer, sustentam os investigadores.
Segundo João Duarte, o Atlântico, nas dimensões atuais, com cerca de cinco mil quilómetros, continua com marés muito altas, isto é, com supermarés.
Os cientistas concluíram, a partir dos modelos trabalhados, que as supermarés surgem entre a formação de supercontinentes - e por isso há uma "ciclicidade na formação de supermarés associada a ciclos de supercontinentes" - e quando os oceanos, neste caso o Atlântico, têm uma determinada dimensão.
Por hipótese, num outro cenário, o Pacífico poderá ter uma supermaré se 'encolher' e ficar do tamanho atual do Atlântico e se este se 'alargar'.
João Duarte explicou que uma supermaré é "uma maré anormalmente elevada". No Mediterrâneo e no Pacífico, "as marés são muito baixas", enquanto no norte do Atlântico a sua amplitude chega a atingir os 14 metros.
Por definição, uma maré é "uma onda de grande comprimento que se move através do oceano devido ao efeito gravítico da Lua e do Sol".
Tal como as marés, as supermarés podem, de acordo com o geólogo, "ter impacto nas variações do clima" da Terra, dado que influenciam a "circulação oceânica, controlam as correntes oceânicas", que regulam a temperatura do planeta.
Além disso, podem ter um "impacto grande na evolução da vida nos oceanos", uma vez que as marés, ao subirem e ao descerem, vão "transportar nutrientes essenciais à vida dos continentes para os oceanos" e misturá-los no seu interior.
Períodos de marés muito baixas podem ter contribuído para "grandes extinções em massa" de espécies marinhas e, ao mesmo tempo, para o aparecimento de novas, assinalou João Duarte.