Chuvas recorde, um fenómeno cada vez "mais intenso e persistente"

Fenómeno extremo de precipitação não é inédito, mas está a tornar-se mais frequente e com uma "potencialidade de destruição muito maior", diz responsável do IPMA.
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As chuvas dos últimos dias bateram recordes em Lisboa, Barreiro, Almada e Mora, onde quatro estações meteorológicas registaram ontem o maior valor de precipitação diária desde que há registo - ou seja, desde 1931. De acordo com dados avançados pelo Instituto Português do Ar e da Atmosfera (IPMA), o valor mais alto foi registado na capital, na estação do Instituto Geofísico, com 120.3 milímetros de precipitação (120 litros por metro quadrado), acima dos 118.4 marcados em fevereiro de 2008, o anterior recorde.

"É muita precipitação" num curto espaço de tempo, diz Ricardo Deus, chefe da Divisão de Clima e Alterações Climáticas do IPMA, mas sublinhando que as condições que assolaram o país, e em particular Lisboa, nos últimos dias, não são um caso único ou inédito: "Em fevereiro de 2008 tivemos um fenómeno extremo de precipitação que afetou todo o nosso território e em especial a cidade de Lisboa. Aliás, o recorde absoluto de precipitação em todas as estações de Lisboa é desse dia, 18 de fevereiro de 2008". Significa isto que o que "aconteceu agora é um fenómeno extremo, que tem um impacto enorme, com maior incidência nas zonas urbanas, mas não é ímpar. Teve este similar, em 2008, e se recuarmos mais no tempo, encontramos outros fenómenos de grande intensidade".

Mas há uma circunstância que se tem alterado - "Estes fenómenos estão a ocorrer cada vez mais, com uma frequência cada vez maior". E, "dentro da variabilidade climática que é usual, estando nós num clima mais quente estes fenómenos tendem a ser muito mais intensos, extensos e persistentes".

"A variabilidade é uma característica do nosso clima e este tipo de fenómenos de precipitação intensa caracteriza o nosso clima. Agora, como estamos atualmente a viver um clima diferente, com alguma características diferentes, muito relacionadas com a questão das alterações climáticas, este tipo de fenómenos ganha uma potencialidade de destruição muito maior", sublinha Ricardo Deus. Ou seja, "estamos num clima mais quente, mais energético, e portanto estes fenómenos ocorrem com maior intensidade e com maior amplitude e com um impacto gigante na nossa sociedade" - como se viu nos últimos dias na capital.

"Isso obriga a que todo o sistema de Proteção Civil esteja muito atento e monitorize este tipo de fenómenos" de forma muito preventiva, sublinha este responsável do IPMA, reiterando que estas chuvas muito intensas em curtos períodos de tempo "são muito impactantes".

Isto ainda que o fenómeno em si não seja uma ocorrência rara, pelo contrário. "O que originou esta situação foi o transporte de uma massa de ar quente e instável, com grande conteúdo de vapor. Estes dois últimos episódios com mais precipitação [o mais recente e o da semana passada] têm ocorrido quando estamos sob efeito desta massa de ar com grande conteúdo em água, associada a uma depressão que está centrada entre o arquipélago dos Açores e as Ilhas Britânicas", explica Patrícia Gomes.

De acordo com a meteorologista do IPMA, a chuva vai manter-se ao longo desta quarta-feira, prevendo-se novo "agravamento das condições meteorológicas, particularmente a partir do meio da manhã e até final da tarde", com "previsão de aguaceiros, por vezes fortes, que poderão ser pontualmente acompanhados de trovoada", estando já emitido um aviso amarelo de precipitação para todo o território do continente (com exceção do distrito de Bragança) para o período entre as nove da manhã e as 18 horas. Posteriormente manter-se-á uma situação de períodos de chuva ou aguaceiros, com o vento a diminuir de intensidade. A partir do "final da tarde de sexta-feira já teremos uma situação mais aliviada, embora ainda com alguns aguaceiros que possam ocorrer por todo o país, mas não com o nível de severidade que tem ocorrido até agora".

Mas a próxima semana pode trazer mais más notícias. Pode acontecer uma outra depressão, a partir da próxima segunda-feira, ainda com alguma incerteza associada", refere Patrícia Gomes.

Está a região da Grande Lisboa, e a cidade em particular, preparada para estes episódios de chuva intensa? José Paulo Martins, da associação ambientalista Zero, lembra que parte da cidade está "construída ao nível do rio". Nesta zona ribeirinha a conjugação de chuva intensa com a maré cheia dificilmente pode ter outro resultado que não aquele que se viu ontem e na passada semana, argumenta. Mas nem tudo é uma inevitabilidade no cenário que se viveu na capital, onde é preciso avançar com o "alargamento das condutas de escoamento de água", a criação de "bacias de retenção" e - um ponto há muito sublinhado pelas associações ambientalistas - a não impermeabilização dos solos da cidade. Um ponto também destacado ontem pela Quercus, que sublinhou em comunicado que este "não é um problema novo": "Há décadas que se denuncia o perigo da falta de planeamento, do mau urbanismo, da excessiva impermeabilização dos solos, da falta de zonas verdes e espaços de drenagem".

susete.francisco@dn.pt

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