Chuck, o homem que inspirou a personagem de Rocky Balboa

"The Bleeder - O Verdadeiro Campeão" traz a história de Chuck Wepner, o pugilista que chamou a atenção de Sylvester Stallone.
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O romance entre o cinema e o boxe já é de muito longa data. Basta pensar em Charlie Chaplin na sua curta-metragem O Campeão (1915) ou aos saltinhos atrás do árbitro numa cena de Luzes da Cidade (1931), a parodiar com o que na vida real é feito de nódoas negras, suor e sangue. Depois vieram os retratos cada vez mais intensos e realistas da dura experiência dentro e fora do ringue. Agora, os filmes de boxe distinguem-se através disso mesmo: aqueles que se concentram na filosofia dentro das cordas versus aqueles que as transpõem.

De que lado está The Bleeder - O Verdadeiro Campeão? À semelhança dos ensinamentos de uma estreia recente, O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Mäki, também aqui parece haver mais vida fora do ringue. E mais knockouts.

A chegar às salas portuguesas amanhã, este último filme do canadiano Philippe Falardeau, não contando a história de um vencedor, conta ainda assim a história de uma espécie de campeão. Chuck Wepner (hoje com 78 anos) foi um pugilista de Nova Jérsia que ficou conhecido por um combate, em 1975, contra o lendário Muhammad Ali, do qual não saiu vitorioso, mas aguentou 15 fenomenais rounds. No final, esse rosto todo ensanguentado, como habitualmente, era o do homem a quem apelidaram de "The Bayonne Bleeder" (Bayonne era a cidade onde vivia). Nesse dia foi o herói do bairro, e no ano seguinte via-se refletido no grande ecrã, num filme chamado Rocky, de John G. Avildsen...

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Acontece que Sylvester Stallone tinha assistido à luta e inspirou-se na sua história para escrever o argumento e protagonizar aquele que se tornou o lutador mais famoso do cinema. Quem diria. De resto, numa das cenas mais comoventes deste O Verdadeiro Campeão vemos Chuck, orgulhoso, atento à cerimónia dos Óscares que está a passar na televisão, e a celebrar sozinho as três estatuetas que Rocky ganhou, quando já nem a família queria saber dele.

É sobre essa ascensão e queda que se debruça o filme de Falardeau. O homem bom e trabalhador - que deixou de ser cobrador de dívidas porque não era capaz de fazer mal a ninguém - não soube lidar com a repentina glória, e deixou-se afundar na tendência que já tinha para álcool, mulheres e drogas. Liev Schreiber, na pele do protagonista, tem aqui uma das mais exigentes e fascinantes interpretações da sua carreira, onde coloca a alma, num rosto sempre inchado, ora pelas lutas ora pelo sofrimento discreto. A seu lado, Elisabeth Moss é extraordinária, no papel da esposa que tolera as suas constantes traições até ao limite das forças, e Naomi Watts, uma namorada tardia, aparece como essa esperança ao fundo do túnel, depois de uma gigantesca sucessão de asneiras.

Procurando o espírito e as cores dessa América dos anos 1970, O Verdadeiro Campeão alcança o toque kitsch intrínseco ao ambiente representado, que começa nas camisas e casacos pirosos que Chuck veste. Essa época é visível até nos seus maneirismos. E todos os pormenores e contradições nos aproximam da fragilidade de um homem que só amadureceu pelo cansaço acumulado das desventuras. Sobretudo, é Liev Schreiber quem lhe dá uma enternecedora genuinidade.

No fim de contas, Chuck Wepner é como o seu ídolo, no filme predileto, sobre um pugilista que procura emprego depois de levar uma vida a lutar: Anthony Quinn em Requiem for a Heavyweight (1962), de Ralph Nelson. Ele sabe de cor os diálogos de uma cena, e até coloca a voz como Quinn quando o imita, porque sente cada palavra como sua. Sente a mágoa do lutador.

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