Chuchu, sanfoneiro, repórter policial. Quem será o próximo "vice" do Brasil?
A pergunta "o que têm em comum Floriano Peixoto, Nilo Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer?" oferece duas respostas possíveis. A primeira é: foram todos presidentes do Brasil. A segunda é: os oito começaram por ser vice-presidentes que, por um motivo ou outro, assumiram a presidência. Dos 36 presidentes brasileiros desde a implantação da República, em 1889, mais de um quinto começou como número dois. Por isso, os candidatos ao Palácio do Planalto em 2022 dedicam tanto cuidado à escolha do vice.
Se nos restringirmos à Nova República, período de 1985 aos dias de hoje, José Sarney assumiu a chefia de estado por morte, antes da tomada de posse, do indiretamente eleito, Tancredo Neves. Itamar Franco herdou o cargo do destituído Collor de Mello. E, num momento que ainda marca a atualidade da política brasileira, Michel Temer conspirou pela queda de Dilma Rousseff, no último governo do Partido dos Trabalhadores (PT), em 2016.
Por essas e por outras, a própria Dilma perguntou, em conversa com Lula da Silva (PT) relatada pelo jornal Folha de S. Paulo, se Geraldo Alckmin, o nome escolhido pelo seu padrinho político para o secundar em 2022, "vale uma missa" - numa alusão ao rei francês Henrique IV que se converteu ao catolicismo para ascender ao trono e disse "Paris bem vale uma missa" - e se ele não teme o risco de ser, como ela, traído pelo vice.
Lula respondeu que não. E tanto ele como os demais dirigentes do PT vêm repetindo, a cada entrevista, que Alckmin não será Temer. O temor de Dilma e outros resulta de Alckmin ter sido um dos principais barões do PSDB, partido de centro-direita que foi o principal adversário do PT por décadas, e candidato à presidência em 2006 numa feroz batalha eleitoral contra o próprio Lula. Na ocasião, os "petistas" não hesitavam em chamar o rival de "picolé de chuchu", uma alcunha pejorativa cunhada pelo humorista José Simão para sublinhar a falta de carisma de Alckmin - o picolé (sorvete) quer-se doce e o chuchu é o mais sensaborão dos legumes.
Livre no "mercado", depois de sair do PSDB em conflito com o candidato presidencial do partido, João Doria, o outrora "picolé de chuchu" tem 99,9% de hipóteses de ser o vice de Lula, segundo fontes quer do PT, quer do PSB, a formação para onde deve transitar. O objetivo de Lula, líder das sondagens, é utilizar Alckmin, com fama de bom gestor, como prova de que governará, de novo, ao centro e não demasiado à esquerda, conforme temem os donos do PIB.
Jair Bolsonaro (PL), o segundo naquelas sondagens, faz outros cálculos. Na legislatura que termina este ano, o presidente e o seu vice, Hamilton Mourão, viveram de costas voltadas. "[Mourão] por vezes, atrapalha um pouco a gente, mas o vice é igual a cunhado: você casa e tem que aturar o cunhado do teu lado, não pode mandar o cunhado embora", desabafou Bolsonaro em julho do ano passado.
Mourão, um general na reserva, tinha, entretanto, uma vantagem, segundo o bolsonarismo: era militar e não político. Se fosse político, como Temer, talvez a Câmara dos Deputados tivesse dado seguimento a um dos 143 pedidos de impeachment contra Bolsonaro; sendo militar, os parlamentares pensaram duas vezes antes de deixar o país no seu colo. Por esse motivo, o atual presidente busca, outra vez, um fardado para vice - o nome do general Braga Netto, ministro da Defesa, é o mais falado, seguido do do general Augusto Heleno, ministro-chefe da Segurança Institucional.
Mas há outros caminhos. Como nas sondagens, Bolsonaro sofre goleada de Lula entre o público feminino e o do Nordeste do país, uma mulher, como a ministra da Agricultura Tereza Cristina, rosto do setor agropecuário, muito próximo ao governo, ou um nordestino, como o titular do Turismo, Gilson Machado, natural do Recife, são vistos como soluções interessantes.
Machado, entretanto, ganhou fama internacional quando tocou e cantou à sanfona (semelhante ao acordeão) uma desafinada Ave Maria de Gounod em homenagem aos mortos pela pandemia, lado a lado com Bolsonaro e um constrangido Paulo Guedes, ministro da Economia, ao vivo na internet. Vocalista da banda de forró Brucelose, é visto pelos críticos como mais um dos bobos da corte de que o presidente se gosta de rodear mas os aliados destacam-lhe a lealdade incondicional ao projeto.
O vice de Lula está quase certo e Bolsonaro já definiu os perfis que lhe interessam. E os restantes candidatos, aqueles que se acotovelam, abaixo dos 10% nas sondagens? Ciro Gomes (PDT), candidato pela quarta vez à presidência e terceiro mais votado em 2018, numa só entrevista deu a entender ter um leque amplo de opções - de Marina Silva, a ambientalista que chegou a parecer perto das segundas voltas em 2010 e 2014, a José Luiz Datena, o sensacionalista apresentador do Brasil Urgente, programa de jornalismo policial de fim de tarde na emissora Band.
"[Marina] tem todos os talentos para ser uma grande presidente do Brasil, ela pode ajudar-nos a dar essa rebeldia da esperança de que o Brasil precisa", disse Ciro numa entrevista a... Datena. "Mas quem eu queria mesmo como vice era o Datena sabe, aquele grande comunicador?", brincou Ciro durante a conversa com o apresentador. "Estou brincando, estou brincando, não posso fazer isso aqui no ar", completou em seguida. Datena, que foi um dos nomes considerados para a corrida presidencial pelo PSL, antes do partido se unir o DEM na criação do União Brasil e inviabilizar a candidatura, levou a brincadeira mais a sério: "Mas eu não estou brincando, seria uma honra ser vice seu, porque eu gosto de você, porque você é um cara honesto para caramba".
Nos candidatos do que se convencionou chamar de "terceira via" - nomeadamente, Sergio Moro (Podemos), João Doria (PSDB) ou Simone Tebet (MDB) - o vice ideal para cada um deles é sempre o outro: Doria, governador de São Paulo, manifestou desejo de contar com Moro e Tebet ao lado mas tanto o antigo ministro de Bolsonaro como a senadora disseram não estarem interessados numa posição secundária.
"Em relação a mim, já disse que sou pré-candidata à presidência da República. Não há negociação para ser vice na lista de quem quer que seja, eles é que podem ser meus vices", afirmou Simone Tebet em entrevista, em dezembro, ao DN.
"Não faz sentido eu abdicar da minha candidatura quando as sondagens me dão em terceiro lugar", respondeu Moro, durante conferência de um banco privado. "Mas concordo que devemos estar unidos", acrescentou, dando a entender que não rejeita ter Doria ou Tebet na lista desde que seja ele a conduzi-la.
Moro pode também vir a contar com Luciano Bivar, presidente do União Brasil, como vice, assim esse partido, recém-formado após fusão entre o PSL, ex-partido de Bolsonaro, e o DEM, de direita, aceite apoiar a candidatura do ex-juiz. Sucede que o ex-juiz comandou a Operação Lava-Jato, conhecida por criminalizar muitos políticos, parte dos quais hoje no União Brasil, que, no sempre intrincado xadrez político brasileiro, ainda pode coligar-se com o PSDB ou com o MDB e apoiar Doria ou Tebet.