Christian Boltanski ou a desocultação do anónimo

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"As publicações de artista são a mais pertinente e radical informação para a abordagem do trabalho artístico". É sob esta frase, desenhada nas paredes da mezzanine da biblioteca de Serralves, que se constrói a mais recente exibição do Museu - Christian Boltanski: a Memória do Esquecimento, patente até 9 de Julho naquele local.

As publicações de artista, a small press, todo o material que acompanha e enquadra uma determinada obra ou exposição constituem o objecto da mostra, que é formada integralmente por material recolhido do acervo de Serralves.

Não se trata, em todo o caso, de um simples lugar de observação sobre a obra do francês nascido em 1944. Nas palavras do comissário, Guy Schraenen, que é também consultor da biblioteca do museu, "em Boltanski a documentação torna-se a própria obra de arte". O que nos remete para os principais temas explorados pelo artista: a memória individual e colectiva, o anonimato, a reconstituição de histórias através de um inventário de vestígios e sinais e também a possibilidade de reproduzir os dados por forma a torná-los acessíveis ao maior número de pessoas.

Como explicou João Fernandes, o director do Museu, boa parte do material foi copiado e distribuído gratuitamente, ou nos locais de exposição, ou através de imagens integradas em jornais. O valor da obra, naturalmente, depende da quantidade de exemplares impressos, que nalguns casos ascenderam aos milhares.

Dos inúmeros vestígios apresentados, onde figuram catálogos, retratos, posters, filmes e alguns dos cerca de 80 livros que Boltanski já publicou, assim como determinados objectos que pretendem reconstituir vivências e locais, destacam-se alguns exemplos em que o anonimato é puxado para um lugar visível (curiosamente, ao duplicar as obras, obtém um efeito inverso sobre aquilo que era individual e destacado).

Um desses casos foi a operação realizada num suplemento cultural alemão, onde encheu as páginas com fotografias de objectos do Departamento de Perdidos e Achados de Munique, tendo levado pessoas a contactarem a redacção assim que identificavam os seus óculos, guarda-chuvas ou sacos de viagem. Recuperada das sombras foi também a casa de Grosse-Hamburguer Strasse, em Berlim, pulverizada pelos bombardeamentos da II Guerra Mundial.

A pesquisa de Boltanski é minuciosa, desbravando a identidade dos seus ocupantes através da consulta de arquivos, reunindo datas, documentos, imagens anteriores à destruição da casa. Ressuscitando nomes soterrados no dilúvio das bombas.

Noutros trabalhos, porém, opta pela encenação, imaginando vidas a partir da mesma recolha de despojos.

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