Chrissie escreve, compõe, canta. Os Pretenders sempre foram ela

A banda vai a caminho dos 40 anos mas só um nome se manteve desde o início aos nossos dias. Falar dos Pretenders é convocar Chrissie Hynde. E os êxitos vêm na bagagem de logo à noite, no festival EDP CoolJazz, em Oeiras.
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Se houver alguma estabilidade no alinhamento do concerto português, marcado para logo no Parque dos Poetas, em Oeiras, face aos que o antecederam na digressão europeia que começou a 10 de junho (na Holanda) e terminará a 18 de outubro (em Inglaterra), os mais nostálgicos verão bem preenchidos os seus apetites. Em 15 canções, Chrissie Hynde e os seus parceiros reservam mais de dois terços dos títulos para temas com mais de trinta anos, todos resgatados aos primeiros quatro álbuns da banda. Daí para cá, só haverá - encores à parte - mais quatro escalas: uma no incontornável I"ll Stand By You (de Last Of Independents, datado de 1994), outra no disco solitário da "patroa" (Stockholm, de 2014) e duas - logo a abrir, em princípio - do registo mais recente, aquele que interrompeu o hiato de oito anos sem notícias do grupo (Alone, 2016).

Aconteceu com este álbum, o décimo da discografia, o processo inverso do recente trabalho assinado por Lindsey Buckingham e Christine McVie, cujas bases foram lançadas para assinalar o regresso dos Fletwood Mac, mas acabou por se tornar um momento "de facção", uma vez que Stevie Nicks, ao fim de muitos meses, assinalava contribuição nula (já agora: como isto anda tudo ligado, Nicks marcou presença, em nome próprio, numa digressão norte-americana em conjunto com... os Pretenders.

Já Alone, como o título indica, visava prosseguir o caminho solitário de Chrissie que, com o material gravado, decidiu transformá-lo em registo de grupo, apesar de os companheiros de palco - James Walbourne e Eric Heywood, guitarristas, Nick Wilkinson, baixista, e Martin Chambers, baterista, um dos elementos fundadores que andou muitas temporadas ausente - não terem passado pelo estúdio em nenhuma das canções.

Se dúvidas houvesse, e elas há muito não existiam, ficava ainda mais vincada a identificação dos Pretenders com esta mulher que, nascida em Akron, Ohio, a mesma cidade que viu surgir os Devo, só podia mesmo viver para a música e da música. Os primeiros sinais chegaram logo na juventude, quando Chrissie trocava as aulas, os namoros, as atividades próprias dos mais novos, por viagens até Cleveland para assistir a concertos. Ainda nos Estados Unidos, Hynde chegou a colaborar num grupo sem testamento chamado Sat. Sun. Mat, em que pontificava Mark Mothersbaugh, mais tarde referência nos Devo.

De omnipresente no punk a dama rock

Quando se mudou para Londres, em 1973, a futura cantora trocou temporariamente a música pela pena, aproveitando a relação amorosa com Nick Kent, um dos nomes-chave do jornal New Musical Express. Fez críticas de discos, reportagens de concertos e entrevistas, mas cansou-se depressa. Foi trabalhar para uma loja de roupa, à época olhada como uma das mais vanguardistas de Londres: chamava-se SEX e os donos eram nada menos do que Vivienne Westwood e um dos mais intensos ideólogos de uma idade do rock, Malcolm McLaren. Com a chegada do punk, parecia estar em toda a parte: respondeu a um anúncio, mas acabou por não ser aceite entre os músicos que formaram os 999; participou em ensaios, que visavam montar uma banda, com Mick Jones, que acabou por "partir" para iniciar os Clash; integrou um grupo chamado Masters of The Backside, mas foi convidada a sair quando estes passaram a The Damned; colaborou com The Moors Murderers, liderados por Steve Strange, futuro líder dos Visage; pelo meio, ainda pediu em casamento Johnny Rotten e Sid Vicious, dos Sex Pistols, o que lhe permitiria continuar no país. Rotten disse que não, Vicious disse que sim. Mas, no dia em que se dirigiram à conservatória, havia greve. No dia seguinte, Vicious tinha que apresentar-se em tribunal. E a ideia passou... Mas os donos de boa memoria visual recordarão a corrente com cadeado que o malogrado baixista dos Pistols usava ao pescoço - foi um presente de Miss Hynde...

As relações de Chrissie mantiveram-se maioritariamente no universo musical: teve uma filha de Ray Davies, dos Kinks, e foi amplamente citada no processo de divórcio que este teve que enfrentar; foi casada com Jim Kerr, vocalista e líder dos Simple Minds, de quem teve outra filha; voltou a casar-se com um escultor, Lucho Brieva, com quem foi mãe de um rapaz e separou--se em 2003.

Muito antes, em 1979, foi finalmente descoberta - como autora, cantora e figura de palco. Os primeiros quatro discos dos Pretenders, lançados entre 1980 e 1986, fazem parte de qualquer antologia decente da new-wave, da mesma forma que Hynde é justamente considerada uma das mulheres mais importantes da história do rock. Chegaram a chamar-lhe "miss leather and lace" (menina de couro e de renda), em função da imagem que projeta, ora guerreira, ora doce. Vegetariana convicta, é ativista da PETA, organização de defesa dos direitos dos animais.

Mas, mais logo, nada disso pesará, quando se escutar o saltitante Don"t Get Me Wrong, o provocador Message Of Love, o solene Hymn To Her e o erótico - literalmente, todos estes anos depois - Brass In Pocket, uma das canções que muitos levariam para a ilha deserta. Não está previsto, mas com um empurrãozinho, talvez se ouçam My Baby e, sobretudo, Precious, que mereciam não faltar à festa.

The Pretenders

Rita Redshoes (1.ª parte)

Parque dos Poetas, Oeiras, às 21.30

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